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Vinte anos sem comunismo ÉPOCA foi à Rússia ver como o país mudou após o fim da União Soviética. A transição para um regime democrático e uma economia de mercado ainda está longe do fim

Moscou – Na Praça Vermelha, na região central da cidade, os tempos do comunismo parecem um ponto distante na história. Vinte anos depois do fim da União Soviética, em dezembro de 1991, o capitalismo se infiltrou por todos os flancos. Na entrada principal, um grupo de camelôs, outrora vistos como expressão do “individualismo burguês” e proibidos pelo regime, vende livremente lembranças aos turistas. Em frente ao Kremlin, epicentro do poder soviético e hoje residência oficial do presidente russo, fica o Gum, um sofisticado shopping center instalado num prédio de 1890 restaurado recentemente. Antes uma loja de departamentos estatal que vivia com prateleiras vazias e filas imensas, o Gum agora atrai uma clientela sofisticada e abriga grifes internacionais, como Louis Vuitton, Burberry, Armani e Kenzo, além de um supermercado recheado de produtos importados e cafés requintados. Em volta da praça, as largas avenidas construídas por Josef Stálin, ditador soviético que comandou o país de 1922 a 1953, já não são suficientes para abrigar a frota de Bentleys, BMWs e Mercedes.

"VIBRAÇÃO

O clima predominante na praça é de descontração. Em lugar da atmosfera sombria do passado, uma profusão de estilos contrastantes revela uma Rússia vibrante e cosmopolita. Dois sacerdotes da Igreja Ortodoxa Russa, dominante no país e perseguida na era soviética, caminham lenta e despreocupadamente entre adolescentes de calças jeans com os fones de seus iPods plugados no ouvido. Em outro canto, uma estudante de cinema tira fotografias com sua máquina digital de última geração. Uma senhora de guarda-chuva desfila com seu tênis Nike, em meio à fina garoa de outono.

O ambiente na Praça Vermelha é um símbolo das profundas transformações por que passou a Rússia, a principal herdeira do espólio soviético, nas últimas duas décadas. Ficou para trás o país onde a ideologia ocupava um papel central, sob a supervisão vigilante do Partido Comunista e da KGB, o temido serviço secreto da velha URSS. Em seu lugar, surgiu uma nova Rússia, onde os indivíduos têm maior liberdade para escolher o próprio destino e até deixar livremente o país, antes rigidamente controlado. Hoje, não existem mais as famosas babuchkas, senhoras que montavam guarda em cada andar dos hotéis internacionais para bisbilhotar a vida dos turistas estrangeiros. O medo de falar mal dos dirigentes políticos com os vizinhos, temendo denúncias e perseguições, também se dissipou. E uma nova geração, nascida na Rússia pós-soviética, que só ouviu falar do comunismo pelo que contam seus pais e avós, começa a conquistar seu espaço. “O fim da União Soviética não é um evento apenas político. As mudanças também aconteceram na economia e na vida social”, disse a ÉPOCA o sociólogo Alexander Oslon, de 59 anos, presidente da Fundação de Opinião Pública (FOM), um dos mais respeitados institutos de pesquisa do país. “Foram três mudanças de uma só vez. Juntas, elas representaram uma verdadeira revolução.”

Essa revolução está longe de acabar. A Rússia atual ainda carrega muitos esqueletos de seu passado comunista. Na própria Praça Vermelha, o corpo de Vladimir Lênin, o grande líder da Revolução Bolchevique de 1917, morto em 1924, ainda jaz embalsamado no mausoléu que leva seu sobrenome, em granito cinza, e continua a ser venerado por multidões de turistas e admiradores. O túmulo de Stálin, sempre coberto com mais flores que os demais, continua sob proteção da guarda nacional, ao lado das paredes avermelhadas do Kremlin e de outras personalidades do regime comunista enterradas no local. No metrô de Moscou, com suas 182 estações e seus 301 quilômetros de trilhos, uma das grandes obras dos tempos do comunismo, também sobrevivem alguns retratos de Lênin aqui e ali.

Na nova Rússia, esse culto aos líderes do passado é apenas o lado mais visível da herança soviética. Ela também está presente nas práticas políticas dos líderes do presente, no controle da mídia e na intolerância com os críticos. Está impregnada no cotidiano e no espírito da população, em suas crenças e em seus valores. Longe dos grandes centros urbanos, nas pequenas cidades do interior, a população ainda não teve acesso amplo às benesses do capitalismo. Boa parte da nomenklatura, que controlava a máquina administrativa soviética, continua no poder. “Vinte anos não são suficientes para superar 2 mil anos de história, 1.000 anos de cristandade e a tradição do Estado”, diz o economista Igor Iurgens, presidente do Instituto de Desenvolvimento Contemporâneo (Insor), um centro de pensamento ligado ao presidente russo, Dmitri Medvedev (pronuncia-se Medvêdev).

Apesar de ter perdido muito de sua influência global, o destino da Rússia é crucial para o futuro do planeta. Ela é o maior país do mundo, com uma área que é quase o dobro da brasileira; tem o maior arsenal nuclear mundial e o maior número de armas de destruição em massa; possui uma fronteira de 4.200 quilômetros com a China; é a 11ª maior economia e o maior produtor de petróleo mundial; detém a segunda maior reserva de água, atrás apenas do Brasil; e tem uma população islâmica inquieta e significativa. O futuro do mundo depende, em boa medida, do que acontecerá com a Rússia nos próximos anos e nas próximas décadas. “Temos um papel importante a desempenhar, não apenas regional, mas globalmente”, diz Iurgens. “Temos de encontrar um papel compatível com nosso potencial, explorar nossas virtudes, ser uma ligação entre a Europa e a Ásia.”

O problema é que a Rússia hoje parece andar para trás – e não para a frente. É como se o atual governo russo tivesse resgatado a velha máxima de Lênin – um passo para trás, dois para a frente – sem que ninguém saiba ao certo se essa marcha à ré vai parar em algum momento. A nova Rússia que emergiu nos últimos 20 anos tem pouco a ver com o éden liberal e democrático imaginado pelos ideólogos da guinada capitalista do país, no início da década de 1990, capitaneada pelo então presidente, Bóris Ieltsin, com apoio do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Do caos dos primeiros anos da revolução, surgiu um jardim. Não é um jardim ocidental, nem um jardim brasileiro. É um jardim que surgiu das matrizes soviética e pré-sovié­tica”, diz Oslon, do instituto FOM. “Os reformistas olham o que existe hoje com grande surpresa. É como aquele jardineiro que compra algumas mudas no exterior, planta-as aqui, acreditando que elas vão crescer da mesma forma que lá fora. Quando vê no que elas se transformaram, se dá conta de que não tem nada a ver com o que ele imaginava.”

Na arena política, em muitos aspectos, é difícil notar a diferença da nova Rússia em relação à antiga União Soviética. Oficialmente, o regime de partido único acabou. Ao contrário da China, que abriu sua economia e manteve o controle político do Partido Comunista sobre a sociedade, a Rússia é, em tese, um país pluripartidário. Mas, na prática, é como se nada tivesse mudado. O partido Rússia Unida, do ex-presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin, um ex-oficial da KGB que se tornou o grande líder do país na era pós-soviética, e do presidente Dmitri Medvedev, domina de forma hegemônica a vida política do país.

O NOVO E O VELHO
O totalitarismo soviético cedeu lugar a um regime autoritário comandado por Putin, legitimado pela frágil democracia russa. Putin é acusado de perseguir os críticos e os desafetos e de beneficiar os camaradas com privilégios ilimitados e negócios polpudos, muitas vezes ilegais. A célebre frase do escritor George Orwell em seu livro A revolução dos bichos – “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros” – ganhou um novo significado na Rússia pós-comunista. “A lei neste país é a seguinte: se você é amigo do Putin, pode fazer o que quiser”, diz Bóris Nemtsov, ex-vice-primeiro-ministro da Rússia na gestão de Ieltsin e um dos principais líderes da oposição. “Se é inimigo, vai para a cadeia.”

Em 26 de setembro, Putin, de 59 anos, foi novamente escolhido como candidato do Rússia Unida para disputar a Presidência da República nas eleições de março de 2012. Seu nome foi proposto na convenção do partido pelo próprio Medvedev, de 46 anos, o atual presidente. Medvedev deverá se tornar o primeiro-ministro do novo governo, invertendo de posição com Putin. Com o aumento do mandato presidencial de quatro para seis anos em 2008, Putin poderá permanecer no poder mais 12 anos, caso seja eleito agora e reeleito em 2018. Somados aos oito anos que ele já ficou na Presidência, entre 2000 e 2008, poderão ser 20 anos no poder. Só Stálin, no auge do totalitarismo soviético, ficou mais que isso no comando do país. “Putin está tentando unir o emblema da Rússia imperial, o hino da União Soviética e a bandeira da Rússia democrática, mas essas coisas não combinam”, diz Grigori Iavlinski, candidato duas vezes derrotado à Presidência e líder do Partido Democrático Unido Russo (Iabloko).

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Mesmo autoritário, Putin é o político mais popular da Rússia. Sua popularidade alcançou o pico de 78% no final de 2008 e hoje gira em torno de 68%, segundo o Levada Center, um instituto de pesquisas independente. Beneficiado pela alta do petróleo, ele conseguiu equilibrar as finanças do Estado e estabilizar a inflação e o câmbio. Reajustou fartamente os benefícios dos aposentados e pensionistas, corroídos pela hiperinflação na gestão Ieltsin. Putin também voltou a ampliar a presença do Estado na economia. Nacionalizou a Gazprom, o gigante russo do setor de gás, e boa parte da indústria de petróleo. A renda média da população cresceu quatro vezes em dólar em dez anos, de acordo com dados do Banco Mundial. Ao enfrentar os rebeldes nacionalistas da Tchetchênia, reforçou sua imagem de durão, apesar da estatura baixa – 1,70 metro – para os padrões russos. Putin lida mal com a questão. Ele costuma usar sapatos de salto plataforma, cobertos por calças exageradamente longas. Quando vai à TV, nunca é mostrado ao lado de alguém mais alto. Seus opositores dizem que ele só indicou Medvedev para lhe suceder em 2008, porque Medvedev, com 1,58 metro, era mais baixo que ele. Chamado pelos blogueiros russos de “nanopresidente”, Medvedev costuma usar saltos de até 6 centímetros para aumentar sua estatura.

À medida que sua popularidade subia, Putin foi fechando o cerco à oposição. Hoje, ela praticamente inexiste no país. Os velhos comunistas e social-democratas são tolerados por Putin por não representarem uma real ameaça a seu governo. O registro de novos partidos dificilmente é aprovado. Só os políticos e os partidos que apoiam o governo recebem sinal verde para participar das disputas eleitorais. Quando Putin estava na Presidência, uma ampla reforma eleitoral proposta por ele dificultou o acesso dos pequenos partidos à Duma (a Câmara dos Deputados russa). Putin também acabou com a eleição direta dos governadores das 83 unidades federativas da Rússia. Agora, eles são indicados pelo presidente, e seus nomes têm de ser aprovados pelos Legislativos regionais. Isso levou à submissão das lideranças locais ao poder do Kremlin. As fraudes eleitorais também são comuns. Muitas vezes as cédulas em branco são preenchidas posteriormente para beneficiar um candidato oficial.

“A Rússia é um típico país autoritário. Não tem eleições transparentes, competição política, um Parlamento de verdade, independência da Justiça. O que temos é uma imitação barata de democracia e um sistema de partido único e de pequenos partidos para os quais ninguém liga”, diz Nemtsov. No final de 2010, ele tentou registrar o Partido da Liberdade Popular, do qual foi um dos fundadores, para concorrer às eleições. Em maio deste ano, o registro do partido, centrado na defesa do liberalismo e da democracia, foi negado, sob a alegação de que havia discrepâncias nos documentos apresentados e assinaturas falsas de eleitores listados como membros do partido. Em agosto, Nemtsov foi preso duas vezes em São Petersburgo ao participar de manifestações.

O governo cultiva uma relação promíscua com a oligarquia que se formou no país a partir das privatizações, em meados dos anos 1990. Em troca de negócios bilionários, consegue manter os oligarcas do seu lado. Quem ousa seguir um caminho independente se dá mal. Foi o que aconteceu com Mikhail Khodorkovski, que era o homem mais rico da Rússia e o 16o do mundo. Ex-vice-ministro das Minas e Energia, ele controlava a Iukos, uma das maiores empresas de petróleo do país, privatizada em 1996. No início dos anos 2000, no primeiro mandato de Putin, Khodorkovski vinha aumentando o tom de suas críticas ao governo. Em fevereiro de 2003, durante um encontro com Putin transmitido pela TV, discutiu com o presidente, questionando-o sobre a interferência do Estado nos negócios privados e a corrupção do governo.

Em seguida, Putin determinou uma reavaliação da situação fiscal da Iukos, acusada de ter uma pendência de US$ 27 bilhões com o Fisco russo. Ao mesmo tempo, os ativos da empresa foram congelados pelo governo, e ela ficou sem recursos para saldar sua dívida. Em 2006, a Justiça decretou sua falência. A maior parte dos ativos foi comprada a preços reduzidos por estatais de petróleo. Khodorkovski foi preso em outubro de 2003, acusado de fraude e evasão fiscal, e condenado em 2005 a oito anos de prisão. Em fevereiro de 2007, quando ganharia o direito de obter liberdade condicional, ele sofreu novas acusações de fraude e lavagem de dinheiro. Em 27 de dezembro de 2010, depois de diversas violações processuais questionadas por seus advogados, Khodorkovski foi condenado a um total de 14 anos, esticando sua libertação de 2011 para 2017. Hoje, aos 48 anos, ele cumpre sua pena na Colônia Corretiva no 7, na pequena cidade de Segeja, no noroeste da Rússia. Sua correspondência e suas visitas são limitadíssimas.

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Nesse cenário, em que a elite econômica se alia aos homens do poder, temendo represálias semelhantes às lançadas contra Khodorkovski, a corrupção alcança no cotidiano das empresas e dos cidadãos níveis assombrosos. Ninguém parece ter vergonha de assumir em público que recebe propinas. Enquanto no Brasil um policial corrupto em geral evita exibir sinais exteriores de riqueza, na Rússia acontece o contrário. Há pouco tempo, questionado em público se recebia suborno em seu trabalho, um oficial da polícia respondeu sem constrangimento: “E você acha que é possível viver com 50 mil rublos (R$ 3 mil) por mês?”. Nas escolas, os pais não pagam propinas “apenas” para conseguir uma vaga para seus filhos nas melhores unidades ou mais perto de casa. É comum também subornarem professores e diretores para garantir a aprovação dos filhos. Alguns subornam até motorista de ambulância para poder furar os congestionamentos e chegar mais rápido ao aeroporto. É comum empresários de sucesso serem acossados por funcionários públicos interessados em engrossar o patrimônio. Isso inclui agentes fiscais, policiais, promotores, juízes, bombeiros e agentes de vigilância sanitária. Muitos trabalham em parceria com organizações criminosas. Quem não dá sua “contribuição” está sujeito a sofrer todo tipo de perseguição e pode até perder a empresa na Justiça. Não raro, os empresários têm de ceder uma participação acionária para se ver livres das pressões.

A investigação de casos de corrupção e de falcatruas pela imprensa é uma atividade de altíssimo risco. De acordo com o relatório mais recente do Comitê de Proteção a Jornalistas, a Rússia é o país mais perigoso da Europa para os jornalistas e o nono mais perigoso do mundo (leia no quadro ao lado). A contagem do número de jornalistas assassinados desde a redemocratização chega a 200. Em 2010, pela primeira vez desde 1999, não foi registrado nenhum assassinato de jornalista na Rússia. Ainda assim, há pouco tempo, o jornal Novaia Gazeta, de linha independente, teve de colocar portas blindadas em seu prédio, depois de sofrer várias ameaças de atentado. Seis de seus jornalistas já foram mortos, entre eles Anna Polikovskaia, assassinada em 2006, quando escrevia uma série de artigos sobre a corrupção envolvendo líderes militares russos na Tchetchênia.“É claro que as pessoas podem sentir medo, mas nesse caso deveriam mudar de profissão e de jornal”, diz Vitali Iarochevski, vice-diretor e editor de Política do Novaia Gazeta.

Embora não exista censura oficial, as pressões de bastidor e a autocensura se institucionalizaram. Ao longo de seus dois mandatos, Putin investiu contra os três principais canais de TV do país, que concentram quase toda a audiência e recebem 60% do bolo publicitário russo, estimado em US$ 10 bilhões por ano. Hoje, dois canais são controlados diretamente pelo governo, e o outro pela Gazprom, a estatal de gás. Os telejornais se limitam a veicular informações favoráveis às autoridades. Os críticos e opositores são banidos do noticiário. “O governo controla completamente a TV”, diz o jornalista Vladimir Pozner, um ex-comunista que era um dos principais porta-vozes do regime e hoje comanda um programa de entrevistas no Canal 1, 100% estatal. “Os diretores dos três maiores canais vão ao Kremlin toda semana e recebem instruções sobre o que o governo deseja ver, sobre como as coisas devem ser apresentadas no noticiário.”

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No interior, com frequência, os pequenos veículos independentes tornam-se alvo da ação de criminosos ligados a autoridades regionais. A maioria dos assassinatos de jornalistas russos envolve profissionais que investigavam negociatas feitas por empresas estatais e pelo governo fora dos grandes centros. Raramente os crimes são investigados. Até hoje, porém, não se tem notícia de um jornalista que tenha sido morto a mando direto do governo federal. “A coisa não vem de cima, vem do clima geral”, diz Anton Nossik, um dos blogueiros mais populares da Rússia (leia a entrevista)”. A internet, que alcança 53 milhões de russos, ou 45% da população adulta, e recebe 17% da verba publicitária, até agora tem se mantido como uma espécie de território livre. Na web, vozes independentes podem dar seus recados sem ser molestadas pelas autoridades.

Veículos, como o Novaia Gazeta, que preservam sua independência costumam sofrer dificuldades financeiras porque os anunciantes não querem se indispor com o governo. Segundo Iarochevski, o Novaia Gazeta vende cerca de 270 mil exemplares e sobrevive graças às contribuições mensais do oligarca Alexander Lebedev, que detém 39% das ações do jornal e controla também os britânicos The Independent e o Evening Standard. O ex-líder soviético Mikhail Gorbatchev, que iniciou as reformas políticas e econômicas dos anos 1980, detém outros 10%, e o editor-chefe Dmitri Muratov, representando a redação, 51%. De acordo com o jornalista Pozner, a liberdade de imprensa na Rússia é inversamente proporcional à audiência do veículo. “O número de pessoas que leem jornais e revistas é muito pequeno, se comparado com os que veem televisão”, afirma. “Por isso, o que importa para o governo são os grandes canais de TV.”

Pozner diz que o autoritarismo político está ligado à “tremenda mudança que houve no país”. “Mas as pessoas não mudaram. Estão tentando administrar a Rússia como a União Soviética. Isso não funciona”, afirma. Ele conta que, certa vez, ao entrevistar o ex-presidente Ieltsin, disse-lhe: “Você é um democrata”. Ieltsin respondeu, segundo Pozner: “É claro que não. Sei o país onde nasci e cresci. Sei a que partido pertenci toda a minha vida. Como posso ser um democrata? Talvez, se trabalhar um bom tempo com democratas, eu aprenda”. E Pozner completa: “Ele nunca aprendeu”. É por isso, na visão de Pozner, que as mudanças só virão no longo prazo. “As coisas só vão mudar aqui quando a geração que nasceu depois de tudo isto chegar ao poder e assumir a liderança do país.”

Para Oslon, do instituto de pesquisa FOM, o futuro da Rússia depende, basicamente, do tipo de mentalidade que predominará na sociedade. Segundo ele, há três grandes grupos sociais na Rússia, que não se entendem. O primeiro, quase metade da população adulta, depende do Estado para sobreviver – são aposentados, pensionistas, inválidos. O segundo, um terço da população adulta, reúne os que estão aptos a cuidar de si mesmos, mas levam uma vida provinciana, acomodados em suas rotinas. De manhã, vão trabalhar; ao meio-dia, almoçam; à noite, voltam para a casa e vão a um bar; aos sábados, vão à sauna. O terceiro grupo, 15% da população adulta, é o motor da sociedade. Inclui o pessoal mais ambicioso, que quer comprar uma casa na Espanha e sabe que tem de trabalhar para isso, mesmo que tenha de conviver com a corrupção. “Se o terceiro grupo for dominante, a Rússia vai se desenvolver bem. Se o primeiro ou o segundo grupo ganharem, haverá estagnação”, diz Oslon. A volta de Putin à Presidência certamente não traz um bom presságio.

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