Faço parte do grupo que acredita que o direito de livre expressão e manifestação é uma conquista democrática inalienável. Pode ser uma marcha por Deus e pela Família, em defesa da liberação da maconha, a favor do aborto ou da preservação da vida. Não importa. Todo mundo tem o direito de defender a sua bandeira e gritar palavras de ordem em público.
Quando estava na faculdade, no final dos anos 70, tive a oportunidade (e o privilégio) de participar das manifestações estudantis em defesa da redemocratização do país, as primeiras desde 1968. Eram os tempos do regime militar, quando o coronel Erasmo Dias, então secretário de Segurança de São Paulo, bloqueava a entrada de universidades como a PUC, na qual eu estudava, e a USP, para impedir a realização de encontros estudantis. A sensação de estar ali fazendo história ficou marcada para sempre na minha memória.
Hoje, 35 anos depois, o Brasil se tornou uma das maiores democracias do mundo, e acho que chegou a hora de colocar ordem na casa, disciplinando a realização de manifestações nas ruas das grandes cidades do país. Não dá mais para tolerar que um grupelho qualquer se julgue no direito de promover uma manifestação a qualquer hora e em qualquer lugar, prejudicando a vida de milhares de trabalhadores, donas de casa e crianças que precisam se deslocar para seus compromissos ou para descansar depois de uma jornada estafante. Não dá para permitir que um pequeno grupo – seja ele composto por sindicalistas, estudantes, religiosos ou quem quer que seja – tenha o poder desproporcional de bloquear vias públicas a seu bel-prazer. Menos ainda se for uma manifestação marcada pela violência e por atos de vandalismo contra o patrimônio público e privado, como tem acontecido nos últimos tempos pelo país afora. É hora de dar um basta à ditadura das manifestações que procuram conquistar seu momento de glória atrapalhando a vida da esmagadora maioria da população.
Diante da anarquia que tomou conta das principais cidades brasileiras, o poder público precisa criar com urgência mecanismos de controle, como acontece nos países desenvolvidos. Primeiro, definindo locais e horários apropriados para a realização das manifestações. Depois, exigindo que os organizadores comuniquem previamente às autoridades municipais a intenção de promovê-las. Quem quiser realizar uma manifestação sem ser molestado pela polícia terá de cumprir as duas exigências. Se, ainda assim, teimarem em promover atos públicos sem passar pelo crivo das autoridades, o aparato do Estado tem de agir, para garantir o direito de ir e vir dos cidadãos.
Hoje, no Brasil, tornou-se uma espécie de sacrilégio apoiar a ação da polícia, mesmo quando ela está agindo em defesa da maioria – e uma parte da mídia tem sua parcela de culpa nisso. Quando vândalos depredam o patrimônio público e privado e a polícia reage, é sempre a polícia que está errada. Se ocupam uma área privada e a polícia tem de cumprir uma decisão judicial para tirar os grileiros de lá, a manchete do dia seguinte estará sempre focada nos eventuais excessos policiais. Se depredarem o patrimônio alheio e a polícia reagir com balas de borracha e jatos d’água, o destaque será sempre um manifestante que se machucou ao levar uma borrachada no corpo. Pouco importa se ele estava colocando fogo no prédio ou atirando pedras na polícia.
É preciso perder a vergonha de reprimir aqueles que têm de ser reprimidos. As autoridades precisam perder o medo de que imagens da reação policial sejam usadas na campanha eleitoral contra elas. Precisam acreditar que, ao defender a cidade e o direito dos cidadãos de se locomover livremente, estarão conquistando e não perdendo votos, desde que tenham, é claro, convicção de suas decisões e não tremam diante da gritaria de alguns. Ainda que setores da mídia carreguem nas críticas, estou certo de que a maioria da população – aquela que fica parada no trânsito, sem conseguir ir para casa, para o trabalho, para a escola ou para onde for – vai aplaudir.
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