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Os dilemas do impeachment É difícil prever agora o que pode acontecer se a pressão popular aumentar, mas as cartas ainda não estão dadas para o processo deslanchar

O dia 15 de março – a data marcada para as manifestações contra a presidente Dilma e a bandalheira generalizada no governo – está chegando. Depois de 12 anos de letargia, as forças de oposição – de centro-esquerda, de centro, de direita e até de extrema direita – prometem mostrar suas garras. Será, provavelmente, a maior manifestação oposicionista desde que Lula assumiu o poder, em 2003. Em junho de 2013, os protestos chegaram a reunir milhões de pessoas em todo o país, mas suas bandeiras eram difusas e não tinham como alvo isolado o governo federal. Agora, não. Eles têm endereço certo e, se forem confirmadas as expectativas, deverão reunir pelo menos 100 mil pessoas só em São Paulo – um recorde em manifestações de oposição na era petista.

Depois do panelaço de domingo passado e das vaias levadas por Dilma numa feira de negócios em São Paulo, o governo tentou, sem sucesso, convencer a CUT, a central sindical chapa branca, a cancelar as manifestações contra o ajuste fiscal e em “apoio” à Petrobras, marcadas para esta sexta-feira, 13. O temor do Planalto é que essas manifestações – apoiadas por outras centrais sindicais e por grupos radicais de esquerda, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – acabem “botando pilha” nos protestos da oposição.

Confira o texto publicado originalmente no site da revista Época

Embora a bandeira do impeachment de Dilma seduza uma parcela crescente da população, as cartas ainda não estão dadas para que o processo deslanche. Faltam bases juridicas mais sólidas para sustentar o pedido, dentro das regras do jogo democrático. Mesmo em meio ao mar de lama que envolve o governo e o PT no momento. Ainda que o processo de impeachment de um presidente da República seja eminentemente político, é preciso acumular provas claras do envolvimento de Dilma nas falcatruas para ele ter alguma chance de sucesso.

Por enquanto, como disse recentemente o ex-presidente Fernando Henrique, o impeachment de Dilma “é pouco provável, mas não impossível”. Pode até ser que Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), também tenha razão ao afirmar que o imponderável pode acontecer. É difícil prever no momento o que pode ocorrer se as manifestações ganharem corpo e a pressão popular aumentar. “No Brasil, pouca gente pensa nas ‘voltas’ e nas ‘peças’ que a História dá e aplica”, disse Barbosa. Por ora, porém, para o bem ou para o mal, o “Fora Dilma” é mais uma demonstração do alto grau de insatisfação com Dilma e o PT do que uma proposta com chance efetiva de se transformar em realidade.

Confira a seguir alguns pontos que devem ser levados em conta no debate sobre o impeachment de Dilma.

1. O envolvimento de Dilma no Petrolão
Até o momento, apesar deser cada vez mais evidente a ligação do PT com o escândalo da Petrobras e de outras estatatais, ainda não há provas do envolvimento de Dilma na bandalheira. Apenas indícios. Há uma denúncia a ser comprovada, feita pelo ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, de que ele repassou US$ 300 mil para a campanha de Dilma em 2010, por meio do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Numa outra frente, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disse que recebeu do doleiro Alberto Youssef um pedido para liberar R$ 2 milhões para o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, também para a campanha de Dilma em 2010. Youssef, um dos principais acusados no Petrolão, afirmou que Dilma e Lula sabiam de tudo o que acontecia na empresa. Dilma foi presidente do conselho de administração da Petrobras e pode ser responsabilizada solidariamente por escândalos ocorridos na companhia quando esteve no cargo. Mas, no entender de Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República, Dilma não pode ser acusada durante o mandato por atos sem relação com o exercício de suas funções na presidência. Se essa visão vai prevalecer com o desenrolar das investigações, só o tempo dirá.

3. A cautela da oposição
Mesmo com as fissuras existentes na “base aliada” do governo no Congresso Nacional, é difícil imaginar que exista hoje apoio político para aprovar o impeachment de Dilma. Até agora, só o Solidariedade, o partido comando pelo deputado Paulinho da Força, assumiu oficialmente a proposta e começou a coletar assinaturas em todo o país para apoiá-la. O próprio PSDB disse que o impeachment “não está na agenda do partido”. Até o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, desafeto de Dilma e do PT, é contra a medida. “Pedido de impeachment ou qualquer coisa nesse sentido é descabido”, disse. “Não há a menor possibilidade de minha parte. Não há de se discutir fatos de um mandato anterior. Todos querem que o país siga a sua estabilidade.” O quadro político, portanto, terá de se deteriorar ainda mais, para haver uma mudança na forma de encaminhar a questão no Legislativo.

3. O estelionato eleitoral
Embora esteja fazendo no governo tudo o que disse que Aécio Neves faria, isso não é suficiente para fundamentar um pedido de impeachment. Por mais irritados e indignados que estejam os brasileiros com as mentiras de Dilma na campanha, tanto os que votaram nela com os que votaram na oposição, o estelionato eleitoral não é um crime, embora talvez devesse ser. Em 1986, o ex-presidente José Sarney jurou de pés juntos que não iria descongelar os preços durante as eleições de governadores, senadores e deputados, mas logo depois fez exatamente o que negara. Em 1990, Fernando Collor disse durante a campanha que Lula iria promover o confisco da poupança, mas logo que assumiu congelou o dinheiro da população nos bancos. Até Fernando Henrique tem culpa no cartório neste quesito. Na campanha à reeleição de 1998, FHC disse que não iria liberar o dólar, mas logo depois de eleito foi o que ele fez. Nem por isso, FHC e Sarney sofreram um processo de impeachment. Collor acabou destituído do cargo em 1992, com apoio entusiasmado do PT, mas por outras razões.

4. A crise econômica
Apesar de toda a sua inépcia para gerir a economia, alvo de críticas até de Lula e de companheiros do PT, Dilma não pode, ao menos em tese, perder o mandato por causa disso. Ela mentiu para os eleitores, ao negar na campanha que a situação econômica do país fosse preocupante, principalmente em razão de seus próprios erros, e agora quer mandar a fatura do ajuste nas contas públicas para os cidadãos e as empresas. A recessão está aí, a inflação bate recorde, os juros deram um salto, o dólar explodiu e o emprego perde força. Tudo isso é verdade. Agora, mais uma vez, para o bem ou para o mal, não há base legal para pedir o impeachment de Dilma em razão da crise econômica. Num regime parlamentarista, o governo pode até cair se a economia estiver em frangalhos, mas no presidencialismo, em que o presidente é eleito com mandato fixo, não. Se cada presidente perdesse o mandato em decorrência de uma crise econômica, o Brasil precisaria ter uma produção de presidentes em série.

5. A estabilidade democrática
Além de todas as questões levantadas acima, é preciso considerar também o que virá depois. O Brasil está completando 30 anos de democracia em 2015. Por mais que o cenário político e econômico tenha se deteriorado e por maiores que sejam as dificuldades de convivência com quem pensa diferente de nós, a democracia ainda é o pior regime depois de todos os outros. A liberdade – esse valor “burguês” que os grupos de esquerda procuram sempre relativizar – não pode ser sacrificada. Hoje, não é segredo para ninguém que há inquietação nos quartéis com os rumos dos acontecimentos. A ameça de Lula de colocar o “exército do Stédile” nas ruas para defender Dilma provocou reações duras de oficiais da reserva, talvez as mais duras desde a redemocratização. “Neste país sempre houve e sempre haverá somente um exército, o Exército Brasileiro, o Exército de Caxias, que sempre nos defendeu em todas as situações de perigo, externas ou internas”, diz uma nota divulgada pelo Clube Militar sobre o episódio. Nada justificaria, porém, que, em nome da preservação da liberdade, acabe por prevalecer o autoritarismo.