kellman1

“O setor público no Brasil precisa ser chacoalhado” Para Steven Kellman, professor da Universidade Harvard, a concessão de favores e privilégios aos simpatizantes do governo e aos poderosos atrasa o país

O cientista político Steven Kelman, da Escola Kennedy de Governo, da Universidade Harvard, é um dos acadêmicos mais respeitados dos Estados Unidos na área da administração pública. Kelman, de 66 anos, teve também uma passagem pelo governo. No primeiro mandato de Bill Clinton, de 1993 a 1997, foi responsável pelo projeto de modernização da política de compras do governo americano. Agora, como coordenador de um novo curso de educação executiva para formação e capacitação de líderes e gestores públicos brasileiros, patrocinado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), de São Paulo, Kelman estreita os laços com o país. Nesta entrevista, ele fala dos obstáculos e dos desafios para melhorar o desempenho do governo e a qualidade dos serviços públicos no Brasil.

ÉPOCA – Em muitos países, inclusive no Brasil, o governo é visto como burocrático e ineficiente. É possível ele ser tão eficiente quanto a iniciativa privada? Dá para ter esperança no governo?
Steven Kelman – Sim, é possível ter ao menos alguma esperança de que o governo possa ter um bom desempenho. Uma razão para isso é que o desempenho pode melhorar ao longo do tempo. Nos EUA, 100 anos atrás, não havia uma política pública para dar segurança econômica aos idosos. Hoje, há um bem-sucedido programa do governo que oferece isso a eles. Há 75 anos, o governo permitia uma situação em que os negros não podiam ir aos mesmos restaurantes e aos mesmos hotéis dos brancos. Agora, a integração é considerada uma questão superada. Hoje, em Nova York, o número de assassinatos é 20% do que era há 20 anos, graças à melhoria no policiamento. Outra razão para ter esperança é que alguns governos têm um desempenho melhor que outros. Hoje, no Brasil, as pessoas muitas vezes têm de pagar propina para conseguir uma carteira de motorista ou uma licença para construção. Nos EUA, isso não acontece. Mesmo em países em estágios semelhantes de desenvolvimento, há diferenças dramáticas. O Brasil não conseguiu ampliar a rede de metrô para a Copa do Mundo, enquanto a China construiu um grande sistema de metrô em poucos anos.

ÉPOCA – Como se explicam essas diferenças entre os países na entrega de grandes projetos de infraestrutura?
Kelman – Isso depende em parte do desenvolvimento do mercado de capitais e da facilidade de cada país para obter crédito no mercado. Tem a ver também com a possibilidade de quem não gosta de um projeto poder criticá-lo e protestar contra ele. Na China, se alguém não gosta de um projeto, não pode fazer muita coisa. Nos EUA, a execução desses projetos é mais lenta, porque as pessoas podem provocar o adiamento ou protestar contra um projeto de que não gostem. Muitas vezes, o custo também resulta maior que o previsto. Isso vale tanto para o setor público quanto para o privado. O túnel no Canal da Mancha, que liga a Inglaterra à França, era um projeto privado, e o custo da obra foi o triplo do esperado. Vários países implementam Parcerias Público-Privadas (PPP) para tentar construir e administrar melhor esses projetos. Isso tem funcionado bem em alguns lugares, embora muitos projetos sejam complexos e difíceis de realizar.

ÉPOCA – O que é preciso fazer para melhorar a capacidade de entrega do governo?
Kelman – O governo tem de gerenciar bem seus contratos, especificar o que ele quer e escolher uma empreiteira apropriada para construir e honrar o projeto. Muitos governos não são bons nisso. Em muitos países, entre eles o Brasil, isso também se torna um problema por causa da corrupção. A inexistência de corrupção é algo muito importante. O império da lei, também. No livro Por que as nações fracassam, escrito pelo economista do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Daron Acemoglu, e pelo cientista político de Harvard James Robinson, eles mostram como a concessão de favores e privilégios pelo governo para gente bem relacionada ou poderosa prejudica o desenvolvimento. Até nos EUA pode-se observar isso. A parte do país que teve escravidão se desenvolveu mais devagar. Onde não houve escravidão, você não podia ficar rico sem se esforçar. Provavelmente, no Brasil, mesmo anos e anos depois, há uma herança que vem dos tempos da escravidão, em termos de ambiente institucional. Sei que o Brasil tenta se afastar disso, mas é algo que ainda está presente de alguma forma.

Leia a entrevista completa publicada na revista Época