Três anos atrás, enquanto o mundo ainda estava nas trevas da crise de 2008, o Brasil brilhava como um Sol ao meio-dia. O país crescia em ritmo acelerado, ajudado pelas medidas de estímulo do governo, e acabara de ser escolhido como palco da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. O brilho iluminava nossas vantagens competitivas – um ambiente institucional mais sólido que noutros países emergentes, um mercado interno gigantesco, uma agroindústria pujante e imensas riquezas minerais e energéticas. As publicações internacionais davam de ombros para os gargalos históricos da economia brasileira e reverenciavam o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. A austera revista britânica The Economist chegou a publicar uma reportagem de capa exaltando a força e o dinamismo do país. Sob o título “O Brasil decola”, a reportagem era ilustrada pela figura do Cristo Redentor disparando como um foguete em direção ao espaço sideral. O eterno país do futuro, outrora marcado por calotes nos credores externos, uma inflação estratosférica e um crescimento pífio, parecia ter se tornado enfim o país do presente, pronto para realizar seu potencial. Parecia.
“A percepção dos
estrangeiros está no pior
momento desde 2002. Muitos
clientes perguntam se o país
está virando a Argentina”
Christopher Garman, estrategista do Eurasia Group
A lua de mel durou pouco. No fim do ano passado, a percepção do Brasil no exterior, que se deteriorava gradualmente desde o final do governo Lula, piorou muito. Nos últimos meses, as críticas se multiplicaram e se tornaram ainda mais fortes. Como num eclipse que oculta os raios do Sol, o brilho do Brasil perdeu intensidade na arena global. “A ideia do Brasil decolando passou”, disse a ÉPOCA o megainvestidor Mark Mobius, presidente da Templeton Emerging Markets, empresa que administra um patrimônio de US$ 54 bilhões em mercados emergentes, US$ 4,3 bilhões no Brasil. “A percepção do Brasil pelos investidores estrangeiros está no pior momento desde 2002”, afirma o cientista político Christopher Garman, diretor da área de estratégia para mercados emergentes do Eurasia Group, uma consultoria americana especializada na análise de riscos políticos. “Exceto em circunstâncias excepcionais, o mundo não se deixa enganar por muito tempo”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A mesma Economist, que louvara o Brasil três anos antes, defendeu recentemente em editorial a saída do ministro da Fazenda, Guido Mantega, considerado inepto para garantir o crescimento de que o país carece. “Aquela capa do Cristo Redentor falava que o Brasil estava decolando e não que tinha chegado à Lua”, afirma a correspondente da Economist no Brasil, Helen Joyce. “Aquele momento especial chegou ao fim.”
A mudança radical na imagem do Brasil lá fora tem a ver, em boa medida, com o desempenho sofrível da economia brasileira. Depois de crescer 7,5% em 2010, no último ano do governo Lula, o país desacelerou. Para desconforto da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe econômica, confirmaram-se as previsões mais pessimistas dos economistas. Em 2011, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não passou de 2,5%, um resultado apenas razoável para um país emergente do porte do Brasil. Em 2012, de acordo com as projeções oficiais, ele desacelerou ainda mais, para 1,35%. É um patamar bem inferior à média mundial no período, de 3,3%, e das estimativas hiperotimistas, de até 5%, feitas por Mantega no início do ano passado. “Lula manteve sem necessidade os estímulos econômicos criados no combate à crise para gerar um clima de euforia e eleger Dilma presidente”, afirma Ricupero. “Mas ele sabia que o dia do juízo chegaria depois.”
Deve-se dizer, em favor do governo, que o fraco desempenho da economia não foi um privilégio do Brasil no ano passado. Todo o grupo formado pelos grandes países emergentes conhecidos como Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – sofreu desaceleração no crescimento e perdeu influência na economia mundial. Só que nenhum dos Brics teve um resultado tão desanimador quanto o Brasil nesse período (leia o quadro na página 62). Para reanimar a economia e estimular os investimentos privados, o governo tentou de tudo, dentro de seu receituário heterodoxo. Reduziu os juros, cortou as tarifas de energia e promoveu desonerações fiscais e trabalhistas para os setores que souberam gritar mais alto em Brasília. Nada disso funcionou.
Em janeiro, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, considerado pelo governo, desde os tempos de Lula, como um convescote de financistas em defesa do capitalismo, era indisfarçável o desapontamento com o baixo crescimento brasileiro. “Na década passada, o Brasil teve uma boa performance, mas a preocupação é que talvez não tenha energia para seguir adiante”, afirmou em Davos o economista Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard, coautor do livro Oito séculos de delírios financeiros (Editora Campus Elsevier). “Há alguns anos, o Brasil era uma das estrelas de Davos. Neste ano, passou praticamente despercebido”, diz Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e hoje diretor do Centro de Economia Mundial, da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. “Pensaram que o Brasil poderia repetir o padrão de crescimento chinês.” Nas palavras do economista Armínio Fraga, também ex-presidente do BC e hoje sócio da Gávea Investimentos, do Rio de Janeiro: “Havia a expectativa de um crescimento maior, de que o Brasil continuaria a crescer 7%. Agora o pessoal caiu na real”.
É verdade que há um certo exagero nessa visão negativa dos estrangeiros em relação ao Brasil. “Assim como estavam otimistas demais em 2010, agora estão pessimistas demais”, diz Armínio. “2010 foi um ano de recuperação, e o crescimento de 7% foi um fenômeno isolado. 2012 foi um ano de desaceleração global, e o crescimento de 1% também foi algo esporádico.” Mas a mudança de percepção em relação ao Brasil se deve apenas em parte ao “pibinho”. A lista dos fatores que afetam negativamente a imagem do Brasil no exterior parece não ter fim – da intervenção crescente do Estado na economia às alterações constantes nas regras do jogo de vários setores de negócios; da paralisação das reformas tributária e trabalhista à adoção de medidas protecionistas; da “flexibilização” do regime de metas de inflação à interferência na taxa de câmbio (leia o quadro na página 61). Todas essas questões contribuem para ampliar a insegurança e as dúvidas de analistas e investidores em relação ao futuro do Brasil. “Existe uma grande incerteza, hoje, em relação à qualidade da gestão da economia brasileira. Muitos clientes me perguntam se o Brasil está virando a Argentina”, diz Garman, do Eurasia Group. “O capitalismo sem lucro, defendido por Dilma e seus auxiliares mais próximos, as ameaças e o autoritarismo na imposição de regulamentações, as denúncias ásperas contra o ‘tsunami monetário’ dos países desenvolvidos, tudo isso soa como um radicalismo anacrônico dos anos 1960 e 1970 aos ouvidos ingleses, americanos e alemães”, afirma Ricupero.
Num artigo publicado em janeiro, intitulado “O jeitinho monetário do Brasil”, o jornal britânico Financial Times ironizou o vaivém da política cambial e as manobras do governo para tentar controlar a inflação neste início do ano. Usou como exemplo o pedido ridículo, aos prefeitos de São Paulo e do Rio de Janeiro, para adiar os reajustes das tarifas de transportes. O FT também criticou a “contabilidade criativa” adotada pelo governo para transformar um pequeno superavit num grande superavit fiscal – uma artimanha rechaçada até pelo ex-ministro Antônio Delfim Netto, um aliado governista. “São questões importantes para entender o caminho que o governo brasileiro deverá seguir na economia daqui para a frente”, afirma Samantha Pearson, autora do artigo. “Essas coisas são preocupantes. Todos especulam: foram fatos isolados ou representam uma tendência?”
Diante desse quadro nebuloso, os empresários brasileiros se retraíram. Embora o governo tenha tentado alavancar os investimentos na produção e na infraestrutura usando toda sorte de estímulo, a resposta não veio. Em vez de os investimentos crescerem, eles caíram. Em
2012, o volume de investimentos ficou em 18,7% do PIB, segundo uma prévia relativa aos 12 meses encerrados em setembro, diante dos 20% registrados no mesmo período de 2011. Foi uma queda de 5,6%, e um resultado bem abaixo da média mundial, de 24% do PIB no período, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Considerando que o aumento dos investimentos é essencial para o Brasil entrar na trilha do crescimento sustentável, tal resultado é dramático. Nos últimos anos, o governo apostou na expansão do consumo. Acreditava que ela puxaria inevitavelmente os investimentos na produção. A equipe econômica faz profissão de fé que o aumento dos investimentos não é incompatível com o consumo. Um dos pilares centrais da teoria econômica reza, contudo, que o investimento advém do aumento da poupança (pública e privada). E o dinheiro que vai para o consumo deixa de ir para a poupança. Historicamente, a taxa de poupança é baixa no Brasil. Está hoje em 17% do PIB, ante uma média global de 23,9%, de acordo com o Banco Mundial. Na China, são 53% do PIB. Na Índia, 34%. No Chile, 25%. No Brasil, além de a poupança privada ser baixa, o governo gasta quase tudo o que arrecada com o custeio da máquina administrativa. Sobra muito pouco para investir. Isso torna o país mais dependente dos investimentos externos para crescer. “A grande dúvida, hoje, é se o Brasil dará uma resposta adequada para alavancar os investimentos privados”, diz Armínio Fraga. “É difícil conseguir mudar isso da noite para o dia.”
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