Durante 15 meses, desde que o ABN Amro Real foi comprado pelo Santander, os banqueiros Roberto Setubal, presidente do Itaú, e Pedro Moreira Salles, presidente do Unibanco, encontraram-se dezenas de vezes para conversar sobre a fusão dos dois bancos, anunciada na segunda-feira passada. Surpreendentemente, a informação não vazou para o mercado. Nesta entrevista, realizada na sede do Unibanco, na zona sul de São Paulo, Setubal e Salles contam como “costuraram” em sigilo o maior negócio já feito no país. Em tom informal, pouco comum no ambiente austero do setor financeiro, eles falam também dos desafios que têm pela frente para tirar a fusão do papel e sobre seus planos para transformar o novo banco na primeira multinacional brasileira do setor financeiro.
Por Helio Gurovitz e José Fucs
ÉPOCA –Vocês podem contar, do jeito mais humano possível, o que foi para vocês, donos de dois grandes bancos brasileiros, que sempre competiram entre si, fazer essa negociação?
Pedro Moreira Salles – Na verdade, não foi bem uma negociação. Não era uma conversa de negócios. Foi mais uma discussão em torno de objetivos comuns. Era uma conversa de uma enorme intimidade: de vida, de cultura, de papéis, de visões de mundo, de família, de como a gente se enxerga à frente. Era disso que a gente falava. Só na semana passada, quando chegamos à conclusão de que já tínhamos discutido tudo o que tínhamos para discutir, a gente começou a se preocupar com o negócio propriamente dito. A parte que, em geral, é mais difícil foi feita em apenas quatro dias. Porque a gente já sabia tudo o que queria.
Roberto Setubal – Foi uma coisa que a gente foi construindo. A gente foi adquirindo confiança um no outro. Fomos nos conhecendo não como profissionais, mas como pessoas. Porque, quando você vai ser sócio, é como um casamento. Tem de conhecer a pessoa com quem vai lidar, dividir os sonhos, saber quais são as preocupações. Você não faz uma transação dessas se não há uma enorme confiança mútua. Isso exige reflexões profundas sobre o que a gente quer da vida. É um longo processo de amadurecimento.
ÉPOCA –Em que momento vocês olharam um para o outro, disseram: “Agora não temos mais nada para discutir” – e decidiram fechar o negócio?
Moreira Salles – Foi na terça-feira 28 de outubro. A gente estava junto quando percebeu que já tinha discutido todos os pontos necessários. Não é que tenha terminado. Mas a gente disse: “Olha, agora o que tem pela frente é contrato, é acertar como será essa relação de troca, porque tudo o que tem a ver com nossa visão de mundo, com o que a gente quer fazer, ficou maduro”. E, aí, se for para fazer, tem de ser rápido, por causa do sigilo.
ÉPOCA –Como vocês faziam quando havia algum impasse?
Moreira Salles – A gente adiava, conversava, voltava…
Setubal – Havia teses diferentes às vezes. A gente parava, pensava, ia amadurecendo as idéias, avançava, construindo tudo isso de que estamos falando. Sempre acreditei que, da forma como estávamos conduzindo a coisa, a gente chegaria em algum momento a um denominador comum. Poderia demorar um mês, seis meses, um ano ou 15 meses, como acabou acontecendo. Mas eu acreditava que o caminho era muito sólido.
ÉPOCA –Roberto… E seu pai (o empresário Olavo Setubal, que liderou a expansão do Itaú nos anos 60 e 70 e morreu em agosto)? Como ele viveu essa história toda?
Setubal – Meu pai sabia, incentivava, era um grande entusiasta do negócio. Quando eu falava com ele, comentava o tipo de empresa que queríamos fazer, como ela iria funcionar. Ele entendeu que era importante ceder a presidência do conselho a Pedro, para que a gente pudesse funcionar nos moldes em que estávamos imaginando. Foi um gesto que me deu muita segurança, depois que ele não estava mais aqui, de que essa era a transação que tinha de ser feita. Para mim, lembrar disso me deu uma energia adicional.
Moreira Salles – Tivemos uma primeira conversa (sobre fusão) em 1998, o Roberto e eu, também por causa do Real, quando o banco foi comprado pelo ABN Amro, que acabou não prosperando. Naquela época, meu pai (o embaixador Walther Moreira Salles, morto em 2001) ficou muito chateado comigo. Ele achou que a gente tinha de fazer o negócio, perguntava por que eu não tinha feito. Então, tenho certeza de que, se ele estivesse aqui agora, estaria muito feliz.
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