O economista Bernard Appy conhece como poucos os meandros das contas públicas do país. Ex-secretário executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2009, nas duas gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Appy coordenou a elaboração de uma ampla proposta de reforma tributária. Enfrentou resistências, porém, e deixou o posto sem conseguir levá-la adiante. Em Brasília, chegou a trabalhar com o atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quando ele era secretário do Tesouro Nacional, entre 2003 e 2006. Fora do governo, Appy voltou a atuar como consultor na LCA – fundada pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho – de quem fora sócio antes de integrar a equipe econômica de Lula. Hoje, aos 53 anos, é diretor do Centro de Cidadania Fiscal, em São Paulo, voltado à produção de estudos para melhorar a gestão fiscal e o sistema tributário. Nesta entrevista a ÉPOCA, Appy fala sobre o pacote do governo para cobrir o rombo nas contas públicas, a Lei de Responsabilidade Fiscal e seu afastamento do PT, ao qual foi filiado. “Eu me desiludi com a falta de uma ação mais incisiva do partido para mudar o modelo de gestão política do país”, diz.
Por José Fucs e Marcos Coronato
ÉPOCA – Na semana passada, o governo anunciou um pacote tributário mais centrado no aumento de impostos que no corte de gastos, para tentar tirar as contas públicas do vermelho. Essas medidas vão resolver o problema?
Bernard Appy – Nós temos dois problemas fiscais no Brasil: um de curto prazo e outro de longo prazo. No curto prazo, o governo avançou no corte de despesas. Talvez pudesse cortar um pouco mais, mas não seria suficiente para zerar o deficit previsto no Orçamento, de R$ 30,5 bilhões, e ainda cobrir a parte da União no superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) prometido para 2016, de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto). O governo tem um limite estreito para cortar gastos. Mais de 90% do Orçamento não pode ser cortado. Ele tem de pagar os benefícios da Previdência, não pode demitir servidor público. Há também as vinculações do Orçamento para a saúde e a educação, que tem limites mínimos de despesa. Hoje, o mais importante é buscar uma solução de longo prazo para controlar o crescimento de despesas de Previdência e dos programas de assistência social, como o seguro-desemprego, o abono salarial e o Bolsa Família, que representam mais da metade dos gastos. Desse ponto de vista, o pacote ficou devendo. O governo anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir a Previdência, mas não saiu do papel até agora. É algo politicamente muito difícil, ainda mais num governo politicamente fraco. Nesse cenário, é inevitável haver um aumento na carga tributária para o governo poder fechar suas contas.
ÉPOCA – A conta vai sobrar para o contribuinte de novo?
Appy – O governo só vai resolver o problema da carga tributária quando resolver a questão do gasto. E só vai resolver o gasto quando resolver o problema de benefícios da Previdência e dos programas de transferências de renda. Enquanto isso não for feito, a tendência é a sociedade pagar cada vez mais impostos. A trajetória das despesas no longo prazo é de crescimento extremamente acelerado. A consequência é uma carga tributária não apenas alta, mas crescente, onerando a atividade privada. De 1991 a 2013, a carga tributária saltou de 24% para mais de 34% do PIB, segundo a Receita Federal, com um nível de investimento público, especialmente projetos de infraestrutura, muito baixo. Essa combinação de altos impostos e infraestrutura deficiente conspira contra o crescimento e agrava o quadro fiscal.
ÉPOCA – Nas viagens da presidente Dilma, o governo chegou a pagar US$ 100 mil por um serviço de limusine em Nova York. O governo não deveria dar o exemplo nessa hora?
Appy – Há uma demanda muito grande da sociedade para o governo cortar na carne. Se o governo está exigindo que a sociedade faça um esforço grande, com aumento de tributos, postergando o aumento dos servidores públicos, faz sentido que ele se esforce ao máximo para conter gastos. Se a gente pegar as despesas de custeio – viagem, passagem, cartão corporativo –, sempre dá para cortar mais. Mas não é um volume alto nem o motivo pelo qual as contas públicas estão estouradas.
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