REPRESSÃO Cercado por policiais numa praça de
Moscou, Boris Nemtsov é detido em meio a um protesto contra as fraudes nas eleições. Ele foi solto horas depois

“A lua de mel de Putin acabou” Boris Nemtsov, principal líder dos protestos contra as fraudes nas eleições russas, diz a ÉPOCA que o primeiroministro já é visto como autoritário e corrupto

REPRESSÃO Cercado por policiais numa praça de Moscou, Boris Nemtsov é detido em meio a um protesto contra as fraudes nas eleições. Ele foi solto horas depois
REPRESSÃO Cercado por policiais numa praça de
Moscou, Boris Nemtsov é detido em meio a um protesto contra as fraudes nas eleições. Ele foi solto horas depois

Há apenas uma semana, o líder oposicionista Boris Nemtsov, de 52 anos, ex-vice-primeiro-ministro da Rússia em 1997 e 1998, parecia destinado a ser um coadjuvante em duas eleições: para a Duma (a Câmara dos Deputados do país), realizada na semana passada, e para a Presidência, marcada para 4 de março de 2012. Excluído da disputa depois que a Justiça Eleitoral, por influência do governo, negou o registro de seu novo partido, o Liberal Popular (Parnas), Nemtsov teve de limitar sua participação no pleito à distribuição de panfletos nas ruas e à organização de protestos irrelevantes contra o primeiro-ministro, Vladimir Putin, o político mais poderoso da Rússia e favorito para reocupar a Presidência, onde esteve de 2000 a 2008. Mas, de repente, o que parecia improvável aconteceu. Não apenas o partido de Putin teve um desempenho bem abaixo do previsto nas eleições legislativas, como Nemtsov, mesmo longe das urnas, ganhou uma súbita importância no quebra-cabeça político russo, em que Putin agora enfrenta um inédito grau de contestação.

Nemtsov é um dos líderes do movimento responsável pelas manifestações realizadas nas ruas de Moscou e em outras cidades do país desde o encerramento da votação. Essencialmente, os manifestantes denunciam a ocorrência de fraudes nas eleições, vencidas oficialmente pelo partido Rússia Unida, de Putin e do atual presidente, Dmitri Medvedev. Os protestos, organizados pela internet (a única fonte de informação totalmente livre do país), reuniram milhares de pessoas e foram os maiores realizados na Rússia desde que Putin assumiu o poder, após a renúncia do ex-presidente Boris Ieltsin, morto em 2007. “Muita gente está revoltada com essas fraudes, quer anular essa eleição e realizar outra”, disse Nemtsov a ÉPOCA na quinta-feira, pelo celular.

Segundo a oposição, a vitória do Rússia Unida foi obtida por fraudes dos mais variados tipos: simulação de votos de eleitores ausentes, troca de votos nas urnas e um expediente conhecido como “carrossel eleitoral”, em que um mesmo eleitor vota em diversas seções. Não fosse isso, afirmam o opositores, a redução de 77 cadeiras na bancada do partido do governo em relação ao pleito de 2007 teria sido ainda maior. Além de perder a maioria absoluta, necessária para mudar a Constituição sem apoio de outras forças políticas, o Rússia Unida teria ficado sem a maioria simples.

Os slogans dos manifestantes – “Uma Rússia sem Putin” e “Um partido de trapaceiros e ladrões” – despertaram a ira do governo. A repressão foi ao antigo estilo soviético. Centenas de ativistas foram presos, entre eles o próprioNemtsov e outros dois líderes do grupo – o advogado Alexey Navalny, de 35 anos, que mantém um dos blogs mais populares da Rússia, no qual denuncia atos de corrupção, e Ilya Yashin, de 28 anos, o colíder do movimento suprapartidário de oposição Solidariedade, do qual Nemtsov é um dos fundadores.

Ao contrário de Navalny e Yashin,
condenados a 15 dias de prisão sob a
alegação de terem desobedecido a ordens
policiais, Nemtsov foi liberado em
seguida e promete dar continuidade ao
também levou milhares às ruas de Moscou
para se contrapor aos protestos da
oposição. Diante das críticas da secretária
de Estado dos EstadosUnidos,Hillary
Clinton, sobreoprocesso eleitoral, Putin
explorou o ainda difundido sentimento
de antiamericanismo russo para dizer que
osEUAincitaramas manifestações.Mas a
indignação popular revela, pela primeira
vez,que a perspectiva deumaRússia sem
czar entrou no radar. Revela, ainda, que,
apesar da inexistência de fortes candidatos
de oposição, a vitória de Putin nas
eleições presidenciais não deverá ser tão
tranquila quanto se esperava. O outrora
todo-poderoso se vê obrigado a reconhecer
os russos não apenas como eleitores
manipuláveis, mas como cidadãos
fartos de um regime autocrático. u
movimento. Ao menos 17 mil pessoas
confirmaram presença pela internet para
uma nova manifestação na Praça da Revolução,
junto ao Kremlin, o palácio presidencial
russo, prevista para este sábado,
dia 10. O movimento recebeu o apoio
do último líder soviético, Mikhail Gorbatchev,
e de mais dois partidos de oposição.“
Esse é o fim da lua de mel de Putin
comopovo russo”, afirma Nemtsov.
“A população está se dando conta de que
Putin é a corrupção, a falta de liberdade,
a estagnação e degradação.”

O desafio de Nemtsov não significa o
fimiminente do“putinismo”nemo início
de uma espécie de“primavera russa”, nos
moldes da que vemocorrendo nomundo
árabe. A reação promovida pela brigada
pró-Putin, batizada comoNashi (nossos),
também levou milhares às ruas de Moscou
para se contrapor aos protestos da
oposição. Diante das críticas da secretária
de Estado dos EstadosUnidos,Hillary
Clinton, sobreoprocesso eleitoral, Putin
explorou o ainda difundido sentimento
de antiamericanismo russo para dizer que
osEUAincitaramas manifestações.Mas a
indignação popular revela, pela primeira
vez,que a perspectiva deumaRússia sem
czar entrou no radar. Revela, ainda, que,
apesar da inexistência de fortes candidatos
de oposição, a vitória de Putin nas
eleições presidenciais não deverá ser tão
tranquila quanto se esperava. O outrora
todo-poderoso se vê obrigado a reconhecer
os russos não apenas como eleitores
manipuláveis, mas como cidadãos
fartos de um regime autocrático.