Falar em mexer nos direitos sociais – ainda que seja para melhor – no Brasil de hoje é pior do que xingar a mãe. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que o diga. Um comentário feito por Levy numa entrevista ao jornal Financial Times na semana passada,de que o modelo de seguro-desemprego do país está “completamente ultrapassado”, gerou praticamente uma comoção nacional.
O ministro Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência da República, escalado pela presidente Dilma Rousseff para substituir Gilberto Carvalho, o Gilbertinho, na função de fazer a ponte do governo com os tais “movimentos sociais” e os sindicatos, em especial aqueles ligados ao PT, logo veio a público para desmentir Levy. “O seguro-desemprego é cláusula pétrea”, afirmou Rossetto, como se Levy tivesse defendido o seu fim, coisa que ele não fez, nem faria sentido que fizesse, já que se trata de um benefício de alto impacto social, oferecido pelos países mais desenvolvidos do planeta.
Não sou advogado de Joaquim Levy, mas posso afirmar que o que ele defendeu não foi a extinção pura e simples do seguro-desemprego, mas o seu aperfeiçoamento, para evitar as distorções atuais, que estimulam a rotatividade da mão de obra, reduzem a nossa competitivdade e atormentam a vida dos empreendedores do país. É isso certamente o que defende também qualquer brasileiro com o mínimo de respeito pelo dinheiro público – coisa rara nos governos petistas.
O próprio Rossetto afirmou no início da semana passada, numa reunião realizada com sindicalistas em São Paulo dias antes da declaração de Levy, que o governo estudava formas de aperfeiçoar os programas sociais. “O que queremos é corrigir distorções, garantir a sustentabilidade dos programas e manter a política de valorização dos salários”, afirmou Rossetto na ocasião.
Ainda que Levy tenha sido ingênuo de dar uma declaração dessas, sem maiores explicações, alguém seria capaz de afirmar, em sã consciência, que o seguro-desemprego não precisa de alterações? As distorções são tão grandes que o próprio governo anunciou uma mudança no final do ano passado, ainda na gestão de Guido Mantega na Fazenda, elevando de seis para 18 meses o período mínimo de trabalho para o trabalhador ter direito ao benefício. Como qualquer empreendedor está cansado de saber, era comum alguém trabalhar seis meses por ano e depois dar um jeito de ser demitido para ficar de papo para o ar durante quatro meses.
Embora a mudança seja positiva, novas medidas parecem necessárias para aperfeiçoar o seguro-desemprego. Não é preciso ser um “neoliberal” para saber que a alteração anunciada por Mantega não é suficiente para resolver o problema. Será que faz sentido alguém ter direito a receber quatro meses de seguro-desemprego depois de trabalhar 18 meses? Não seria mais adequado que esse período fosse um pouco maior, de três anos talvez, para que o governo não fosse um agente de estímulo à vagabundagem descarada, às custas dos pagadores de impostos?
O caso do Bolsa Família é parecido. Embora seja quase uma unanimidade que o Bolsa Família se constitui numa arma poderosa contra a miséria, será que faz sentido que o Brasil, um país em desenvolvimento, pague indefinidamente o benefício, em quaisquer circustâncias, inclusive em épocas de prosperidade? Não faria mais sentido fixar um prazo máximo para o recebimento do Bolsa Família e oferecer cursos profissionalizantes aos seus beneficiários, para estimulá-los a buscar uma atividade e cuidar de suas vidas?
Até a CLT, o arcabouço trabalhista criado por Getúlio Vargas e encorpado ao longo dos anos pelos governos que o sucederam, deve ser repensada, de preferência ao largo dos interesses corporativistas que se manifestam todas as vezes que alguém fala em alterá-la. Será que faz sentido a um empreendedor arcar com custos que alcançam cerca de 100% além do salário para ter um trabalhador com carteira assinada, mesmo se a sua empresa for de pequeno porte? Numa era em que a disputa pelo mercado global é ferrenha, faz sentido o Brasil perder competividade, com custos tão pesados incidindo sobre a produção?
É hora de o Brasil encarar de frente os seus gargalos. Apesar de Dilma ter prometido não mexer nos benefícios sociais “nem que a vaca tussa”, é preciso ter a coragem de mudar o que precisa ser mudado para o país se livrar das amarras que travam o seu desenvolvimento. Hoje, até a correção de evidentes distorções nos benefícios do INSS, como o aumento da idade mínima para o recebimento de pensões, também anunciado pelo governo no final de 2014, tem a oposição dos sindicatos e dos “movimentos sociais”. Eles deveriam ser os primeiros a aplaudir a medida, destinada a dar um destino mais nobre ao escasso dinheiro público e evitar que jovens viúvas, que se casaram por conveniência com gente à beira da morte, recebam o benefício de forma vitalícia.
Se não conseguir deixar de lado os interesses corporativistas e priorizar o interesse maior do país, o Brasil provavelmente estará condenado a chafurdar na mediocridade que marcou os primeiros quatro anos do governo Dilma.
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