O empresário Jorge Paulo Lemann costuma recorrer a uma ideia simples para passar sua filosofia aos inúmeros discípulos que formou ao longo de mais de quatro décadas de sucesso no mundo dos negócios. “Ter um sonho grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno. Então, sonhe grande!”, diz.
No final de março, Lemann – ou Jorge Paulo, como é mais conhecido – mostrou mais uma vez que suas palavras não são apenas um recurso de auto-ajuda para motivar os novos talentos das empresas que ele controla, mas um traço marcante de seu DNA empresarial. Com a mesma ousadia com que conquistou cada peça de seu império, Lemann fechou a fusão da Heinz, fabricante americana de ketchup e outros condimentos, que ele comprou em 2013, com a Kraft Foods, a gigante americana do setor de alimentação, com tentáculos espalhados por todo o planeta, inclusive no Brasil.
Para viabilizar a transação, que exigirá US$ 10 bilhões para o pagamento de dividendos aos acionistas da Kraft, Lemann se uniu mais uma vez ao megainvestidor americano Warren Buffett, seu amigo e parceiro nos negócios. Eles se conheceram no conselho de administração da Gillette (hoje controlada pela Proter & Gamble), da qual ambos eram acionistas, nos anos 1990, e desde então fizeram vários negócios a quatro mãos. Juntos, eles irão deter 51% da nova companhia, batizada de Kraft Heinz. A 3G – uma empresa de investimentos e participações com sede em Nova York, da qual Lemann é o principal acionista – ficará com 24,5% do capital e será a responsável pela gestão. A Berkshire Hathaway, empresa de investimentos de Buffett, que já chamou o parceiro de “meu professor”, terá uma fatia de 26,5%.
Com a compra da Kraft, Lemann escreveu mais um capítulo de uma das mais impressionantes fábulas de empreendedorismo do Brasil em todos os tempos. Ele mostrou também que, apesar de seus 75 anos, sua saga nos negócios ainda parece longe do final. Em sociedade com os sócios Marcel Telles e Beto Sicupira, que o acompanham há décadas, Lemann construiu o maior império do capitalismo brasileiro e ganhou uma projeção inédita para um empresário do país na arena global. Iniciada com o Garantia, um símbolo de uma era de ouro dos bancos de investimento nacionais, que ele comprou com cinco sócios em 1971 e vendeu ao Credit Suisse em 1998 por US$ 675 milhões (R$ 2,2 bilhões hoje), sua trajetória é um sinal estimulante de que é possível prosperar no país sem depender das benesses de Brasília.
Com a compra da Kraft, o trio passou a controlar um grupo de empresas cujo valor combinado de mercado alcança US$ 260 bilhões (R$ 832 bilhões), equivalente a sete vezes o valor da Petrobras e a 4,5 vezes o do Itaú, maior banco privado brasileiro. Além da Heinz, seus domínios incluem a AB Inbev – dona de marcas globais de cerveja como Budweiser e Stella Artois, além da Brahma e da Antarctica, no Brasil –, a rede de fast-food Burger King, a rede canadense de café e donuts Tim Hortons, a Lojas Americanas e o site Submarino.com, uma das maiores empresas de comércio eletrônico do país.
Ao contrário de Eike Batista e de muitos novos ricos, Lemann não gosta de ostentar sua riqueza. Enquanto Eike alimentava o sonho de se tornar o homem mais rico do Brasil – e do mundo –, Lemann diz que nunca teve essa ambição. Isso não o impediu de chegar aonde chegou e de ocupar o primeiro lugar na lista dos mais ricos do país e o 26º lugar no ranking global da revista Forbes, com uma fortuna pessoal estimada em US$ 25 bilhões (R$ 80 bilhões). “O dinheiro é apenas uma forma de medir se o negócio está indo bem ou não, mas o dinheiro em si não me fascina”, afirma.
Filho de pai suíço e de mãe baiana com ascendência também suíça, Lemann nasceu e foi criado no Rio de Janeiro, sob a influência da ética protestante, que valorizava a disciplina, o trabalho duro e a educação. Seu pai era dono da fábrica de laticínios Leco (abreviatura de Lemann & Company). Lemann vivia uma vida confortável e morava numa casa ampla no Leblon, na zona sul carioca. A proximidade da praia fez dele um dos pioneiros do surfe no país, mas ele se destacou mesmo foi no tênis, que começou a praticar aos sete anos. Com dupla cidadania, defendeu a Suíça e o Brasil na Taça Davis, foi cinco vezes campeão brasileiro e chegou ao topo do ranking mundial três vezes como veterano.
Por influência da mãe, segundo Lemann, ele acabou deixando o surfe e o tênis para estudar em Harvard, nos EUA, onde se formou em economia em 1961. A passagem por Harvard mudou sua vida para sempre. “Comecei a ler Platão, Sócrates, coisas que eu nunca tinha pensado nem em passar os olhos”, diz. “A minha visão de mundo se transformou. E os meus sonhos, que eram ganhar um campeonato de tênis ou pegar grandes ondas, passaram a ser muito maiores.”
Pai de seis filhos – três do primeiro casamento e três do segundo – Lemann vive num subúrbio exclusivíssimo de Zurique desde 1999, com sua mulher Susanna Lemann, uma suíça naturalizada brasileira. Decidiu mudar para lá depois que seus três filhos mais novos sofreram uma tentativa de sequestro, em São Paulo. Dono de hábitos espartanos, Lemman costuma acordar às 5h30 e vai dormir antes das 10h. Mantém uma silhueta invejada por muitos e segue um cardápio saudável, à base de salada, carnes brancas legumes e frutas. Come pouco e só bebe água mineral.
Avesso aos holofotes, Lemann evita fotografias, em especial sozinho, e não garaganteia seus feitos por aí. Nunca apareceu no organograma de suas empresas como presidente. Procura dividir os louros de suas vitórias com Telles, Sicupira e os parceiros da nova geração, como o ex-presidente do conselho da Heinz, Alex Behring, que será o novo co-presidente do conselho da recém formada Kraft Heinz, Bernardo Hee, ex-presidente da Heinz e novo CEO da Kraft Heinz, e Carlos Brito, presidente da AB Inbev.
Nos negócios, seu principal legado é a cultura empresarial inovadora, que criou
e ajudou a espalhar pelas empresas que controla desde o Garantia, centrada no controle de custos, no estabelecimento de metas de desempenho, na meritocracia e nos resultados. Inspirada no sistema de parnetnership do Goldman Sachs, hoje o maior banco de investimento americano, pelo qual os funcionários se tornam sócios do negócio, e nas práticas de gestão de Sam Walton, o fundador do Walmart, de quem ele foi amigo, a cultura empresarial de Lemann se tornou sua marca registrada e motivo de admiração no país e no exterior. “O capitalista brasileiro queria basicamente tudo para ele. Os índios eram os índios”, diz Lemann.
No prefácio do livro “Sonho Grande”, da jornalista Cristane Correa, que conta a história de Lemann, Telles e Sicupira, o consultor Jim Collins, guru mundial na área de gestão, não poupa elogios ao trio. “Eles estão no mesmo nível de visionários dos negócios como Walt Disney, Henry Ford, Sam Walton (fundador do Walmart), Akio Morita (fundador da Sony) e Steve Jobs (fundador da Apple), afirma. “É uma história que líderes do mundo inteiro deveriam conhecer, como uma fonte de aprendizado e inspiração.”
Como todo mundo, Lemann teve os seus tropeços. Em 2009, ele e os sócios Telles e Sicupira foram acusados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de ter usado informações privilegiadas para aumentar a fatia de bloco de controle na Ambev. Para evitar que o processo fosse a julgamento na CVM, tiveram de fazer um acordo, pagando uma multa de R$ 18,6 milhões. Em 1997, o Garantia quase quebrou com a crise asiática. As perdas, admitidas em US$ 110 milhões pelo banco e estimadas pelo mercado em até US$ 500 milhões, foram decisivas para a venda do banco no ano seguinte. Isso acabou por selar a saída de Lemmann do mercado financeiro e a sua dedicação exclusiva ao setor produtivo – uma solução que ele já vinha ensaindo desde a compra a Lojas Americanas e a Brahma, na década de 1980.
Nos últimos 25 anos, Lemann tem se empenhado para deixar outro legado, além do modelo de gestão e do imperio que construiu. Ele quer melhorar a educação brasileira – uma missão que ganhou prioridade a partir de 2011 – e vem fazendo investimentos significativos na área. As primeiras iniciativas começaram nos anos 1990, por meio da Fundação Lemman, uma entidade criada em 2002 com o objetivo de melhorar a educação pública no Brasil, a Fundação Estudar, que oferece bolsas para estudantes brasileiros estudarem em universidades nos EUA, no Brasil e em outros países, e a Ismart, que oferece bolsas de estudo em escolas americanas como Columbia, Oxford e Stanford. Em 2013 criou um fundo que investe em escolas e empresas de tecnologia voltadas para educação, hoje com patrimôno de r$ 120 milhões. “No final das contas, sou um professor É assim que realmente me vejo”, afirma Lemann.
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