Para tentar recolocar a economia brasileira nos eixos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está tendo de se desdobrar. Ao mesmo tempo que negocia a aprovação das medidas de ajuste fiscal no Congresso, ele está envolvido na modelagem de um novo programa de concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias – a grande aposta do governo para que o país retome o crescimento em 2016. Na semana passada, Levy estava em Londres fazendo o papel de mascate das concessões junto a potenciais investidores, quando o governo recebeu uma má notícia no front das contas públicas: a Câmara dos Deputados aprovou as medidas de ajuste fiscal, mas embutiu nelas uma mudança no fator previdenciário, uma regra que inibe as aposentadorias precoces. Se a mudança for mantida pelo Senado, as despesas da Previdência Social podem ter um aumento anual de até 1,1% do PIB. Ao voltar ao Brasil na quinta-feira, dia 14, o irônico Levy, do alto de seu 1,92 metro de altura, manteve o bom humor em entrevista a ÉPOCA no escritório do Ministério da Fazenda, em São Paulo, apesar do revés no Congresso. Ele advertiu, porém, que a retomada do crescimento vai depender de como o ajuste será aprovado pelo Congresso e também da velocidade com que vai “cair a ficha” para o setor privado que a economia brasileira, após o fim do boom das commodities, entrou em nova fase.
Por Guilherme Evelin e José Fucs
ÉPOCA – No primeiro trimestre, o resultado fiscal foi decepcionante, mesmo com contenção de gastos. Muitos analistas duvidam que o governo alcance a meta de superavit primário (saldo das contas públicas antes do pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do PIB em 2015. Como vê essas críticas?
Joaquim Levy – A gente continua trabalhando pela meta de 1,2% e deve lançar o decreto de programação orçamentária e financeira de 2015, que estabelece os limites de gastos do governo, até o final da semana. O orçamento que nos foi mandado pelo Congresso prevê gastos bem acima do previsto. Na página 3 (dos jornais), eu leio o pessoal dizendo que a gente não corta os gastos na carne e, na página 4, que está faltando dinheiro aqui e ali. Numa outra página, um colunista lembra que uma parte da despesa é rígida, não pode ser cortada, particularmente os salários, o funcionalismo público. Tudo isso passa por lei.
ÉPOCA – O senhor acredita que vai dar para cumprir a meta?
Levy – Ela vai exigir esforço. Se houver algum risco de as receitas e as ações de contenção de gastos não comportarem a meta prevista, a lei manda que a gente tome as medidas necessárias para haver uma convergência. A gente está querendo acelerar as concessões. Se houver outorga, as concessões nos permitirão obter uma receita que vai facilitar chegar à meta fiscal. Elas aumentam a poupança do governo e podem até ser redirecionadas para financiar novos investimentos. Ao mesmo tempo, elas vão melhorar um setor de atividade, aumentando sua eficiência.
ÉPOCA – A Câmara dos Deputados aprovou uma mudança no fator previdenciário. Qual o impacto nas contas do governo?
Levy – Ela vai trazer um tema a mais para ser avaliado, em sua pertinência e tempestividade, pelo Senado. O fator previdenciário é um instrumento transparente. Ele se aplica segundo a velocidade com que a população envelhece. Nesse aspecto, é muito equilibrado – e tem sido efetivo. Como todo instrumento do gênero, a melhor maneira de ele funcionar é não mexer muito nele. Agora, se você muda o fator, a carga tributária tem de aumentar, para cobrir o aumento nos gastos. Alguns cálculos mostram que o impacto dessa medida pode alcançar R$ 20 bilhões no curto prazo. Obviamente, isso significará R$ 20 bilhões de impostos a mais. Tem de avaliar se as pessoas querem pagar R$ 20 bilhões de impostos a mais.
ÉPOCA – Alguns economistas mais à esquerda dizem que a política monetária do Banco Central pode comprometer o ajuste fiscal, por causa do aumento do gasto com os juros da dívida pública e dos reflexos da retração da economia na receita. Como o senhor analisa essas críticas?
Levy – Numa economia de mercado, o mecanismo de preços é essencial. Preços relativos sólidos servem como guia para os agentes econômicos. O papel do Banco Central é fundamental. Ele tem de ser vigilante, para que a mudança dos preços relativos não se transforme num processo inflacionário. Como nem todos os preços têm flexibilidade para baixo, porque alguns são tabelados, ele tem de estar atento para que isso não se realimente. Esse é o papel da política monetária. Uma das questões históricas é que no verdadeiro socialismo não havia papel para o sistema de preços. Por isso, é difícil explicar a política monetária, assim como a importância dos preços relativos para a economia. Numa analogia com uma orquestra, o regime de preços é como se você estivesse afinando os instrumentos antes de um concerto, para todo mundo ficar alinhado, na mesma escala, na mesma harmonia.
Leia a entrevista completa publicada na revista Época
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