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Haddad e a empulhação das faixas exclusivas Do jeito que a coisa vai, logo mais os paulistanos mais abonados vão comprar micro-ônibus para circular livremente pelos corredores dos coletivos

Desde as primeiras manifestações que tomaram as ruas de São Paulo em junho, em protesto contra o aumento do ônibus de R$ 3 para R$ 3,20 e tudo-isso-que-está-aí, a questão do transporte público tornou-se ainda mais prioritária do que já era. De uma hora para outra, a expressão “mobilidade urbana” – um jargão cujo uso era até então restrito às faculdades de arquitetura e urbanismo e aos militantes mais caricaturais da esquerda – incorporou-se ao repertório de políticos e autoridades de todo país. Deputados subiram à tribuna da Câmara Federal para pontificar sobre o tema. Vereadores de todas as colorações ideológicas vociferam por aí sobre a baixa qualidade do transporte, na tentativa de conquistar um momento de glória em meio à onda de protestos.
Só que, até hoje, quase meio ano depois, pouco, muito pouco se fez de concreto para atacar o problema. O pouco que se fez foi mais para tentar pegar carona no movimento e não para buscar uma solução de longo prazo que possa realmente ser aplaudida pelos cidadãos e usuários do transporte coletivo de São Paulo. É o caso, por exemplo, da proliferação de faixas exclusivas de ônibus, por determinação do prefeito Fernando Haddad e do secretário municipal dos Transportes, Gilmar Tatto, cuja zona de influência tornou-se conhecida como Tattolândia. Para quem não conhece, trata-se de um propinoduto do qual ele é acusado de ter participado, junto com seu irmão Arcelino, hoje vereador pelo PT na capital paulista e líder do governo na Casa, durante a gestão de Marta Suplicy (2001-2005), quando cupou o cargo pela primeira vez.

Anunciada por Haddad e Tatto como obra da genialidade da administração petista, as faixas exclusivas de ônibus representam, na verdade, uma manobra pedestre (com o perdão do trocadilho) para enganar a população – se é que alguém se deixa realmente enganar por isso. Em sua tentativa de “vender” a empulhação como uma panaceia, a Prefeitura tem contado com o apoio de alguns coleguinhas das redações, ingênuos ou mal intencionados, que celebram cada quilômetro adicional de faixas exclusivas como se fosse um troféu, em seus artigos nos principais veículos e sites do país. “Mais 7,9 km de faixas de ônibus são criadas em São Paulo”, diz um jornalão. “São Paulo chega a 256,6 km de faixas de ônibus”, afirma um grande portal de notícias.

Se fosse realmente uma solução efetiva para a questão, a adoção das faixas exclusivas não teria sido adiada por tanto tempo, já que seu custo é praticamente nulo. Para implantar as faixas exclusivas, basta uma lata de tinta branca, para pintar centenas de metros lineares de faixas no asfalto, e a encomenda de algumas placas de sinalização para alertar os motoristas particulares de sua existência. O problema, porém, é bem mais complexo do que a Prefeitura pretende levar a população a acreditar e exige mais que quimeras.

Na ânsia de espalhar sua solução mágica pelas ruas de São Paulo, sem qualquer critério técnico, a Prefeitura está implantando faixas em ruas em que passam meia dúzia de ônibus por hora. Ou então em vias de apenas duas faixas em que não faz o menor sentido reservar uma só para coletivos, criando um caos que atrapalha a vida da população. Resultado: até agora, ninguém deixou o carro em casa para andar de ônibus, como pretendia a prefeitura, e provavelmente nem irá deixar. Além disso, o trânsito, que nunca foi uma maravilha, está pior do que nunca.

Haddad, que anunciou recentemente a intenção de proibir a construção de novos edifícios com mais de uma vaga na garagem por unidade habitacional, agora parece empenhado em confinar os carros de milhões de paulistanos em cercadinhos. Talvez, ele imagine que, assim, levará os motoristas e proprietários de veículos a mudar seus hábitos, ainda que a fórceps. Do jeito que a coisa vai, logo mais os paulistanos mais abonados vão começar a comprar micro-ônibus, em vez de automóveis, para poder circular livremente pelas faixas exclusivas. Aliás, é o que já acontece com o rodízio de automóveis, do qual os mais ricos conseguem fugir comprando um segundo (ou terceiro) veículo. Sempre que o governo tenta impor uma solução de força à população, como agora, quem acaba pagando o pato é a classe média, obrigada a respeitar as restrições oficiais, enquanto os mais ricos e as autoridades que circulam em veículos com chapa branca encontram um jeitinho de contornar tudo e se dar bem.