Depois de uma bem-sucedida carreira no mercado financeiro, o banqueiro Fernando Sotelino, ex-presidente da área do Unibanco voltada às grandes empresas, diz que se cansou de trabalhar “das 8 da manhã até a meia-noite”, como fez durante 25 anos. Decidiu, então, dedicar-se à academia e aproveitar um pouco mais a vida. Hoje, aos 58 anos, é professor visitante da Universidade Colúmbia, em Nova York, onde passa metade do ano, e do Ibmec, em São Paulo, onde passa a outra metade. Segundo Sotelino, o Brasil precisa ter senso de urgência para aprovar as reformas fiscal, trabalhista e da Previdência. Só assim, de acordo com ele, será possível tornar viável a redução da dívida pública e dos juros, quesitos fundamentais para o país voltar a crescer com vigor. O problema, em sua visão, é que o ciclo de crescimento global pode estar chegando ao fim.
ÉPOCA – Como o senhor vê o cenário econômico global hoje, depois da recente crise das bolsas?
Fernando Sotelino – Não tenho bola de cristal. Ninguém tem. De 2002 a 2004, o mundo viveu um período de taxas de juro extraordinariamente baixas. Nos Estados Unidos, a taxa básica chegou a menos de 2% ao ano (hoje está em 5,25% ao ano). Isso levou a uma supervalorização de ativos, como imóveis e ações, algo que os analistas chamam de “bolha”. Essa liquidez não trouxe inflação porque, do lado da oferta, a locomotiva chinesa continuou a oferecer produtos a custos baixos. Mas é difícil dizer se os ativos ainda continuam supervalorizados e sofrerão algum ajuste ou se essa bolha já se dissipou. É difícil prever também se ela vai se dissipar de forma disciplinada ou não. A torcida, obviamente, é para que o processo de ajuste americano continue disciplinado e a locomotiva chinesa não desacelere demais.
ÉPOCA – De que forma a desaceleração da economia global pode afetar o Brasil?
Sotelino – Isso teria implicações muito importantes para o Brasil. Estamos quase no final de um período de céu de brigadeiro na economia mundial, com taxas de juro baixas nos Estados Unidos. Isso levou a um crescimento global bastante forte. Teria sido uma excelente oportunidade para o Brasil crescer mais. Mas, em 2002, o país passou por uma transição política delicada, durante a qual havia a percepção de que poderia ocorrer uma renegociação de dívida pública, de que uma nova administração talvez não honrasse a dívida, como fez a Argentina. Houve uma tal aversão ao risco em relação ao Brasil que o dólar foi de R$ 2,20 para quase R$ 4, e os juros, que estavam em torno de 16% ao ano, foram para 23%. Depois, aos poucos, as coisas foram voltando ao ponto de origem. Hoje, infelizmente, a História e as conjunções astrais têm levado a eventos que parecem interromper o processo de crescimento global. Qualquer desaceleração mais forte lá fora vai afetar os preços de matérias-primas, importantes para nossa balança comercial.
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