O economista americano Robert Shiller, professor da Universidade Yale e colunista do jornal The New York Times, é um dos expoentes da corrente que acredita na influência da psicologia sobre a economia, conhecida como “economia comportamental”. Em seu novo livro, Espíritos animais – Como a psicologia humana move a economia e por que isso é importante para o capitalismo global (Campus Elsevier), cujo lançamento está previsto para este mês, Shiller diz que nossas decisões econômicas nem sempre são racionais e que a intuição exerce um papel preponderante nelas. No livro, escrito em parceria com o economista George Akerlof, prêmio Nobel de Economia em 2001, Shiller procura mostrar como os fatores psicológicos foram preponderantes para a eclosão da atual crise internacional. “O mundo real não é tão estruturado quanto a maioria dos economistas imagina”, disse em entrevista a ÉPOCA. “É o espírito animal das pessoas que faz a economia andar.”
Shiller tem um retrospecto invejável em matéria de previsões e análises.Em seu livro anterior, A solução para o subprime (Campus Elsevier, 200 páginas, R$ 45), ele apontava as causas da crise imobiliária americana e sugeria soluções para ela. O livro foi lançado em agosto de 2008, semanas antes do agravamento da crise financeira global, com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. Em Exuberância irracional, publicado no início de 2000, Shiller alertava para o risco da bolha das empresas de tecnologia em Wall Street. No título, ele adotava a expressão cunhada em 1997 pelo ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan para descrever o maior período de alta contínua das ações em Wall Street. Meses depois, a bolha estourou.
Shiller, que já esteve duas vezes no Brasil – em 2001 e em 2007 –, afirma que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu os analistas e tem sido favorável para os negócios. Ele conta que, graças às impressões positivas que teve do país há dois anos, decidiu aplicar num fundo de ações de empresas brasileiras quando voltou aos EUA – e obteve excelente retorno. Diz que, em sua última viagem ao Brasil, ganhou uma garrafa de cachaça artesanal de um alto funcionário do gabinete presidencial. “Agora faço caipirinha aqui nos Estados Unidos”, afirma. “Não quis terminar a garrafa e ainda tenho um pouco em casa.” A seguir, os principais trechos de sua entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA – Em seu último livro, o senhor diz que, além dos dados econômicos tradicionais, é preciso prestar atenção ao “espírito animal” das pessoas para entender melhor como a economia funciona. O que exatamente significa isso?
Robert Shiller – Na economia moderna, a ideia de que ninguém pode prever o futuro é incontestável. Ninguém conhece os mecanismos econômicos que o determinam. É por meio de nossa intuição, portanto, que tomamos nossas decisões econômicas. Se as pessoas não tivessem espíritos animais, ficariam paralisadas pelas incertezas. Um exemplo: quando alguém começa um negócio, quase nunca sabe se vai ter sucesso. Por que, então, decide abri-lo? É porque há um impulso humano no sentido de tomar a iniciativa, correr riscos. É isso que faz a economia andar. Chamo isso de “espírito animal”, expressão do economista John Maynard Keynes (1883-1946). É algo volúvel, um humor, um estado de espírito, algo que pode mudar com relativa facilidade. Pode levar a economia a ter um desempenho ruim – ou bom.
“Os economistas acreditam que as pessoas sempre agem de
forma racional. Só que o mundo real não funciona assim”
ÉPOCA – Quais são os principais “espíritos animais” que usamos na hora de tomar decisões?
Shiller – Há cinco formas diferentes de expressar os espíritos animais: confiança, justiça, ilusão financeira, corrupção (ou comportamento antissocial) e a história. A base de nossa teoria econômica é a confiança, e os mecanismos de comunicação entre ela e a economia. Outro aspecto essencial é a ilusão financeira. O público fica confuso com inflação e deflação e não analisa racionalmente seus efeitos. A definição de salários e preços depende muito do senso de justiça. Também reconhecemos que existe uma tentação em relação à corrupção e analisamos o papel que isso desempenha na economia. Finalmente, o senso de realidade das pessoas – quem somos e o que estamos fazendo – tem a ver com a história de nossa vida e da vida dos outros. Essas histórias formam uma história nacional ou internacional, que tem importante papel na economia.
ÉPOCA – Nas faculdades de economia, ensina-se que, em geral, as decisões econômicas individuais são racionais. O senhor não concorda com isso?
Shiller – Os economistas gostam de analisar as pessoas como se elas sempre respondessem de forma racional a uma determinada situação, como se a gente estivesse num jogo. Quando você joga cartas, se você for bom nisso, consegue saber a probabilidade de um jogador receber determinada carta. Dá para fazer cálculos, ao menos aproximados. Mas o mundo real não é tão estruturado quanto a maioria dos economistas imagina. É a intuição que leva as pessoas a agir na economia. Nos tempos em que vivemos, de uma economia global enfraquecida, as pessoas ficam sem saber o que fazer. Elas ficam desconfiadas, acreditam que é hora de esperar. Então, a economia não anda. A maioria dos economistas não vê isso.
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