Nos tempos da praga do “politicamente correto”, tudo no Brasil passou a ser classificado como “preconceito”. Hoje, chamar alguém de “preconceituoso”, ainda que nada em sua conduta o caracterize como tal, é a forma mais pedestre para desqualificar o interlocutor e suas ideias numa discussão, quando não se tem argumento mais sólido à mão.
Não deixa de ser sintomático que a presidente Dilma, pressionada pelos resultados das primeiras pesquisas para o segundo turno, que dão Aécio como vencedor do pleito, esteja recorrendo ao mesmo expediente pedestre para atacar o candidato à presidência do PSDB, Aécio Neves, e seus correligionários. Em comício realizado em Salvador nesta quinta-feira, Dilma acusou o ex-presidente Fernando Henrique de ser “preconceituoso e elitista” em relação ao Nordeste, onde ela conseguiu a maior parte de sua votação no primeiro turno da eleição, por conta de declarações que ele teria dado após a apuração sobre essa questão. “Essa história de falar que os nossos votos foram de pessoas ignorantes como foi falado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostra simplesmente o preconceito e o desconhecimento”, disse Dilma, jogando para a arquibancada. “É uma visão absolutamente preconceituosa e elitista o que estão fazendo, dizendo que os meus votos são dos ignorantes.”
Quase ao mesmo tempo, o ex-presidente Lula bateu na mesma tecla. “É lamentável o preconceito que vem à tona depois de um processo democrático tão importante, como as eleições do último domingo”, afirmou. “É um absurdo que o Nordeste e os nordestinos sejam caracterizados como ignorantes ou desinformados por seus votos. Primeiro, porque isso é fruto de preconceito lastimável; segundo, porque mostra um desconhecimento profundo da atual situação do Nordeste brasileiro.”
Considerando os precedentes da campanha do PT, que promoveu uma campanha difamatória e odiosa contra a candidata Marina Silva dizendo que ela iria acabar com a comida no prato do povo, dá até para entender esse tipo de apelação de Lula e da “presidenta”, como ela é chamada pelos subordinados e militantes do partido. Para antagonizar Aécio e o PSDB contra o povo do Nordeste, Dilma e Lula não se constrangeram em distorcer o que Fernando Henrique falou. Ele apenas disse o óbvio, ao analisar o resultado das eleições, como sociólogo que é, levando em conta a geografia do voto. “O PT está fincado nos menos informados, que coincidem de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”, afirmou FHC. ““Essa caminhada do PT dos centros urbanos para os grotões é um sinal preocupante do ponto de vista do PT porque é um sinal de perda de seiva ele estar apoiado em setores da sociedade que são, sobretudo, menos informados.”
Diante da evidente intenção eleitoreira de Dilma e Lila, com pouca ou nenhuma relação com a verdade, FHC reagiu prontamente contra a tentativa de manipular sua fala: “O presidente Lula não se emenda, vive de pegadinhas”, disse. “Ontem, não só atribuiu aos outros uma frase sua – a de que o bolsa escola era esmola – como quer transformar uma categoria do IBGE, um nível educacional, em insulto. Daqui a pouco, ele só será ouvido em programas humorísticos”.
Essa estratégia de de tentar classificar tudo como preconceito, para levar vantagem na discussão, me faz lembrar de uma história que aconteceu comigo mesmo há mais de vinte anos, quando a filosofia do “politicamente correto” ainda não havia fincado raízes no Brasil. Na época, uma amiga e seu marido francês, que moravam fora do país, em Saint Barthélemy, estavam hospedados provisoriamente na casa de um primo dela, em São Paulo, e perguntaram se poderiam ficar lá em casa uns dias. Disse que sim e fui buscá-los prontamente. Na hora de colocar as bagagens no carro, eis que, de repente, nada menos que um cãozinho, cuja existência não havia sido informada previamente, apareceu. Diante da minha surpresa, minha amiga argumentou que o animal era inofensivo e não fazia bagunça e eu – coração mole – acabei concordando em levá-lo conosco.
Minha maior surpresa, porém, veio no dia seguinte. Ao entrar em casa depois do trabalho, levei um susto quando vi que a minha amiga estava usando um prato do meu conjunto para dar comida ao cachorrinho. Da forma mais educada possível na ocasião, eu lhe disse que aqueles pratos eram para a gente comer e não para serem usados pelo cachorro. Disse também que, já que ela tinha usado aquele prato para dar de comer ao animal, que colocasse uma identificação nele, para não misturar com os outros, e o reservasse apenas para ele. Ela, então, me respondeu, indignada: “Mas que preconceito!.
Como bom liberal, que acredita na força transformadora da liberdade individual para promover o progresso da humanidade, concordo que precisamos os combater os preconceitos e respeitar as diferenças e opções de cada um, desde que isso não coloque em risco os direitos alheios. Agora, como mostra o caso do cãozinho da minha (ex-) amiga, querer classificar qualquer coisa que se diga como preconceito não faz nenhum sentido. O mesmo se pode dizer sobre a manipulação tosca que Lula e Dilma tentam fazer da fala de Fernando Henrique para tentar mostrá-la como preconceito e indispor ele próprio e o candidato Aécio com o eleitorado do Nordeste.
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