Até pouco tempo atrás, talvez apenas alguns dias, a grande irmandade bolivariana, formada por Venezuela, Equador e Bolívia e reforçada por Nicarágua e Argentina, provocava suspiros de admiração e solidariedade de petistas, simpatizantes e afins. Provavelmente, a grande maioria dos militantes do PT e dos nanopartidos de extrema esquerda que lhe dão suporte ainda vê o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez – que lançou as bases da doutrina, marcada por um socialismo retrógrado, restrições à liberdade de imprensa, um antiamericanismo tosco e um apoio incondicional à ditadura cubana – como o Grande Timoneiro de la revolución na América Latina no século XXI.
Essa mentalidade ultrapassada, abandonada na maior parte do mundo com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991, foi retratada com fina ironia pelo escritor Carlos Alberto Montaner – um exilado cubano que vive entre a Espanha e os Estados Unidos – em seu livro O manual do perfeito idiota latino-americano (Ed. Bertrand Brasil), escrito em conjunto com o colombiano Plínio Apuleyo Mendoza e o peruano Álvaro Vargas Llosa, filho do escritor Mario Vargas Llosa (leia entrevista exclusiva de Carlos Alberto Montaner a ÉPOCA).
De repente, não mais que de repente, um número crescente de petistas e de seus aliados passou a se mostrar incomodado, ao menos publicamente, com o rótulo de “bolivariano”, atribuído por representantes da oposição aos governos do PT. Esse grupo, embora minoritário, tem procurado distanciar a obra de Dilma e de Lula do regime de Chávez e de seus congêneres sul-americanos, para surpresa de todos aqueles que observam a estreita ligação cultivada pelo PT e seus caciques com o eixo bolivariano desde que o partido assumiu o poder no país. Sob a alegação de que os governos de Dilma e Lula não tiveram qualquer semelhança com o regime de Chávez e Nicolás Maduro, seu sucessor, eles afirmam ser um “equívoco” chamar as gestões petistas de bolivarianas. Até na mídia, começaram a pipocar artigos nos últimos dias procurando demonstrar que essa tese faz sentido.
Talvez, a rigor, os governos de Lula e Dilma não tenham mesmo sido bolivarianos, se comparados com os regimes da Venezuela e de seus parceiros da “tríplice aliança” andina – o Equador e a Bolívia. Mas, se o Brasil não se converteu numa republiqueta bolivariana nos 12 anos de governo petista, isso se deve, em boa medida, às sólidas instituições do país. Temos um Judiciário (até agora) independente do Poder Executivo e um Congresso que, apesar de todas as suas mazelas, não se curva aos pendores autoritários dos governos petistas. Daqui para frente, por tudo o que se viu durante a campanha eleitoral, é de se esperar que haverá também uma oposição aguerrida para fiscalizar as ações bolivarianas de Dilma e do PT. Ela inclui não apenas os políticos, mas também uma parcela significativa da sociedade, cansada da bandalheira e dos descaminhos do país, que deu a Aécio uma votação estrondosa de 51 milhões de votos.
Não é por acaso que o PT e os governos do partido são chamados de bolivarianos. Não é só por paranoia da “elite branca de olhos azuis”. Sobram indícios preocupantes do bolivarianismo petista nas políticas e nas propostas feitas por Lula e Dilma em seus governos. Do projeto de “regulação social” da mídia, curiosamente defendido por sindicatos e associações de jornalistas, que deveriam ser os primeiros a defender a liberdade de imprensa, aos conselhos populares que pretendem enfraquecer o Congresso e estabelecer uma democracia direta no país, sob o comando de organizações alinhadas ao PT e a seus parceiros, não faltam iniciativas que mereçam ser chamadas de bolivarianas – e com letras maiúsculas. Não seria exagero dizer, com base nas ações tomadas desde a posse de Lula, em 2003, que o PT traz em seu gene um DNA bolivariano.
Para quem tem dúvida desse vínculo genético, eis alguns exemplos de projetos e ações de viés bolivariano dos governos de Dilma e Lula, inclusive na política externa:
• o decreto que criou os “conselhos populares”, determinando que os órgãos oficiais viabilizassem a “participação popular como método de governo” (derrubado na semana passada na Câmara Federal e agora aguardando votação no Senado);
• a proposta de um plebiscito e da formação de uma Constituinte para realizar uma reforma política;
• o projeto de “regulação social” dos meios de comunicação, cujo objetivo, na verdade, é restringir o direito de expressão dos veículos que não são favoráveis ao governo;
• o aparelhamento de órgãos da administração direta e de estatais por membros do PT e o uso escancarado da máquina pública em defesa da candidatura de Dilma na campanha, como nos casos da propaganda eleitoral de Aécio que não foi entregue pelos Correios em Minas e do uso criminoso do cadastro de beneficiários do Bolsa Família para envio de mensagens vinculando o candidato do PSDB ao fim do programa;
• a crítica da ação armada dos Estados Unidos e de outros países contra o “Estado Islâmico” (EI), uma das mais sanguinárias organizações terroristas do mundo, na Assembleia Geral da ONU;
• a hospedagem oficial do ditador de Cuba, Raúl Castro, no Palácio da Alvorada, durante um encontro de chefes de Estado em Brasília. Dilma ainda permitiu que o Alvorada fosse transformado em sala de despachos do líder cubano, que recebeu Maduro para uma conversa reservada;
• a indefinição sobre asilo ao político boliviano Roger Pinto Molina, um dos principais opositores do regime de Evo Morales, que acabou fugindo da Bolívia para o Brasil com o apoio de um diplomata brasileiro, depois de ficar abrigado na Embaixada brasileira em La Paz por mais de um ano;
• a suspensão do Paraguai do Mercosul sob a alegação de que o impeachment do companheiro Fernando Lugo, ex-presidente do país, foi um “golpe”, embora efetuado de acordo com as normas constitucionais do país. Durante a suspensão do Paraguai, que era contra a entrada da Venezuela no Mercosul, o Brasil manobrou para aprovar o ingresso do país hermano na calada da noite;
• o apoio não declarado às milícias do PT e de outros partidos de esquerda que impediram de forma truculenta a blogueira cubana Yoani Sanchéz de dar palestras no país;
• a concessão de asilo político ao ex-terrorista italiano, Cesare Battisti, condenado na Itália pelo envolvimento em, quatro homicídios;
• o perdão de uma dívida de US$ 53 milhões da Bolívia com a Petrobras, em prejuízo do país e dos milhões de acionista minoritários da empresa no Brasil e no exterior;
• a realização de uma parceria com Hugo Chávez para construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, contrariando pareceres técnicos da Petrobras. A Venezuela jamais aportou os recursos acordados e o Brasil teve de arcar sozinho com o custo da obra, sobre a qual pairam suspeitas de um superfaturamento de R$ 243 milhões;
• a prisão e entrega criminosa de dois pugilistas cubanos que pediram asilo no Brasil durante os Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007 à ditadura dos irmãos Castro.
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