O cineasta Cacá Diegues já comprou brigas feias com a esquerda. A maior delas foi no final da década de 1970, quando criou a expressão “patrulhas ideológicas”, para se referir a setores da esquerda ortodoxa que tinham uma visão restrita das artes e da cultura. Hoje, aos 74 anos, Cacá vive uma fase mais diplomática, no estilo “Cacazinho paz e amor”. Diz que não tem mais interesse na discussão política e que, aproveitando a idade, não pretende votar nas eleições deste ano. No começo de agosto, deverá lançar na Flip sua autobiografia Vida de cinema (Editora Objetiva, 678 págs.). Na obra, faz um balanço da carreira e relata sua convivência com os principais cineastas do país.
ÉPOCA – Logo no prefácio do livro, o senhor diz que, de tudo o que viveu, nada se compara ao Cinema Novo. Por quê?
Cacá Diegues – Porque foi ali que formei minha cabeça, que encontrei as pessoas que tinham os mesmos sonhos, que aprendi o que deveria ser o cinema brasileiro. Aqueles anos de Cinema Novo, que não sei na verdade quantos foram, representaram um período de ouro em minha vida. Sinto saudade de tudo o que vivi naquela época. As tertúlias de que a gente mudaria o mundo, nossas ideias políticas, cinematográficas. Isso tudo foi muito importante para mim.
ÉPOCA – Como o senhor analisa hoje, quase 60 anos depois, aquele movimento que protagonizou ao lado de alguns dos maiores cineastas do país em todos os tempos, como Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos?
Diegues – Vejo como a fundação do cinema moderno no Brasil, um momento indispensável na cultura brasileira do século XX. O Cinema Novo é um filho de tudo o que houve antes na cultura brasileira, desde o Modernismo. É fundamental não só na história do cinema, como da cultura brasileira. Mário Carneiro (1917-2008), nosso fotógrafo, dizia que o Cinema Novo começou com os primeiros filmes de cada um de nós, mas ninguém sabia quando acabava.
ÉPOCA – Em 1976, com Xica da Silva, o senhor adotou uma estética mais hollywoodiana, mais bem produzida. Muita gente passou a considerá-lo como uma espécie de traidor dos ideais do Cinema Novo, de produzir um cinema “nacional e popular”. Como o senhor vê as críticas feitas naquele período a sua obra?
Diegues – Essas críticas ao Xica da Silva se tornaram um marco na discussão cultural e política do Brasil, porque as pessoas queriam perenizar uma forma de fazer cinema que eu queria mudar. O Cinema Novo não era uma só forma de fazer cinema. Nosso compromisso era com a realidade brasileira e com a fundação de um cinema moderno no Brasil. Xica da Silva contribuiu para isso. As pessoas não acreditavam que os escravos, os oprimidos, podiam ter individualidade. Eles têm individualidade. Têm seus desejos. Não vivem só de ideologia. Às vezes, as pessoas confundem o amor pelo miserável com o amor pela miséria. Não é meu caso.
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