O economista Armínio Fraga é, provavelmente, um dos profissionais mais habilitados do país a falar sobre a atual crise internacional e o impacto que ela terá no mundo dos negócios aqui e lá fora. Ex-diretor do Soros Fund Management, controlado pelo megainvestidor húngaro George Soros, e ex-presidente do Banco Central, Armínio diz que a crise deverá diminuir o fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil. A queda terá impacto negativo na Bolsa de Valores e no crescimento econômico. Mas, segundo ele, ainda que a crise no mercado americano de hipotecas se alastre pelo mundo afora, seu efeito no Brasil tende a ser limitado, se a política econômica continuar a ser conduzida com prudência.
ÉPOCA – Qual é sua percepção sobre a crise lá fora? Que magnitude o senhor acredita que ela terá?
Armínio Fraga – Mais do que me arriscar a cravar uma magnitude, que nunca é fácil, o que vejo é muita incerteza. O que está acontecendo hoje é algo que começou no mundo do crédito, no mercado imobiliário americano, nas operações alavancadas com lastro nos financiamentos imobiliários, mas acabou se alastrando para outros setores da economia. É um fenômeno que contaminou, de certa maneira, o sistema financeiro internacional. Você saiu de um mundo em que havia um excesso extraordinário de liquidez para um mundo em que há certo “empoçamento”, como se diz no jargão financeiro aqui no Brasil.
ÉPOCA – De que forma a crise no mercado imobiliário dos Estados Unidos pode se expandir para outros países nos próximos meses, em particular para o Brasil?
Fraga – A alavancagem fez com que alguns ativos, notadamente os imóveis nos Estados Unidos, saíssem de seus padrões históricos de preços. O consumidor americano vinha tomando dinheiro emprestado em cima do valor de seu imóvel e, agora, quando as incertezas começam a surgir, isso pode afetar seu comportamento. E, como se sabe, o consumidor americano, nos últimos anos, foi a grande locomotiva da economia global. Então, existe o risco de haver uma desaceleração da economia americana, com ramificações secundárias, menores, ainda pouco previsíveis, em outros países. Mas não vejo um cenário de fim do mundo para nós. No entanto, do mesmo jeito que o Brasil se beneficiou da pujança global nos últimos quatro ou cinco anos, também deverá ser afetado se houver uma desaceleração no exterior.
“A economia americana é a maior do mundo. Não é razoável esperar que uma retração nos EUA não tenha efeito nos outros países”
ÉPOCA – Em 2007, o Brasil foi um dos principais pólos de atração de capital estrangeiro entre os países emergentes, tanto para investimentos na produção quanto no mercado de capitais. Boa parte do
excelente desempenho da Bolsa de Valores brasileira no ano passado se deu em decorrência da presença
dos investidores estrangeiros. Qual é o efeito que uma retração externa pode ter no mercado financeiro
do país, em particular na Bolsa de Valores?
Fraga – Eu acredito que isso deverá afetar a Bolsa, sim. Deve ser algo temporário, que dure apenas alguns trimestres. Você já nota isso no mercado financeiro hoje. O mercado já não está aceitando as operações mais audaciosas. Nem as operações de abertura de capital muito pequenas, porque elas tendem a ter pouca liquidez. Já existe certo refluxo no ingresso de dólares nessa área. Mas não creio que seja algo permanente, não. Acredito que o desenvolvimento do mercado, da boa governança corporativa, é uma mudança estrutural que veio para ficar. A economia americana é a maior do mundo. Não é razoável esperar que uma retração nos EUA não tenha efeito nos outros países.
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