Com a vitória do PT e a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a atenção do país se volta agora para o futuro da economia e a retomada do crescimento, sem o qual todas as promessas de campanha serão vãs. Mais que tudo, Dilma terá de enfrentar o quadro de estagflação – aquela combinação perversa de inflação em alta com estagnação econômica – que atinge o país, fruto da política econômica adotada em seu próprio governo, sob seu comando direto.
Para superar os gargalos que travam o desenvolvimento nacional, Dilma deverá, em primeiro lugar, admitir os seus erros e parar de atribuir a paradeira geral da economia brasileira à crise internacional. O problema é que quem conhece Dilma de perto, como seus ministros e auxiliares e os correligionários do PT, inclusive o ex-presidente Lula, sabe que Dilma é cabeça dura e considera o reconhecimento de seus erros uma fraqueza. Isso, para um presidente que se diz aberto ao diálogo, como ela afirmou neste domingo no discurso da vitória, trata-se de uma limitação capaz de abortar logo na largada as suas nobres intenções, se é que elas são mesmo para valer.
Para alavancar a economia, Dilma precisará, antes de qualquer outra coisa, recuperar sua credibilidade, a partir de práticas transparentes de gestão, e a confiança dos empresários e dos investidores do país e do exterior. Isso não virá automaticamente, com a vitória nas eleições – e talvez nem a própria Dilma, nem os caciques do PT, tenham dúvida disso. A confiança é um ativo intangível, que não se conquista da noite para o dia. Vem de forma progressiva, com atitudes e medidas práticas e consistentes. Quando a confiança se perde, é preciso esforço redobrado para recuperá-la. Muitas vezes, nem assim a confiança volta. Se Dilma fizer mais do mesmo, como defendeu na campanha, dificilmente conseguirá recuperar a confiança perdida. É como uma mulher (ou um homem) traída por seu parceiro (ou parceira). Se ela (ele) acreditar que, daqui para frente, ele (ela) será um (uma) homem (mulher) diferente, pode até lhe dar uma nova chance no relacionamento, mas vai levar um bom tempo até que volte a botar fé nele (nela) novamente – se é que esse dia realmente chegará.
Talvez uma única medida tenha potencial para permitir a Dilma ganhar credibilidade logo no início de sua nova gestão – uma reforma tributária, com a redução e a simplificação dos impostos. Diante do cipoal tributário que massacra as empresas e os cidadãos do país, isso daria aos agentes econômicos um sinal inequívoco de que a Dilma do segundo mandato quer realmente mudar a receita adotada sem sucesso até agora. O Brasil, como se sabe, tem umas das cargas tributárias mais altas do mundo. Como se isso não bastasse, o sistema é tão complexo que uma empresa de médio porte precisa gastar tempo e recursos preciosos, que poderiam ser usados para desenvolver novos produtos ou aumentar as vendas, só para administrar e pagar suas pendências tributárias. A tabela do imposto de renda, que serve para calcular as deduções que os trabalhadores pagam na fonte ao Leão todos os meses, teve reajuste bem abaixo da inflação nos últimos anos. A defasagem já chega a cerca de 70%. A questão é que poucos analistas apostariam que Dilma seguirá por esse caminho, em vez de continuar com a política de benesses seletivas para os “amigos do rei”, para manter a peregrinação de empresários com o pires na mão a Brasília.
Embora o Brasil tenha perdido quase dez anos com a visão ideológica de Dilma e do PT em relação às privatizações e às concessões de serviços públicos, parece que, finalmente eles entenderam que o governo não tem recursos para bancar sozinho os investimentos em infraestrutura (portos, estradas, aeroportos e logística) e precisam contar com a contribuição do setor privado para realizá-los. Acontece que, sem um marco regulatório que ofereça um retorno compatível com o risco do negócio, os investimentos virão em marcha lenta, como tem acontecido desde que Dilma e o PT se converteram à ideia de privatização dos serviços públicos. Sem segurança de que as regras do jogo serão respeitadas, o nível de investimento privado, que vem despencando nos últimos anos, continuará muito abaixo do que é necessário para melhorar a qualidade de vida da população e permitir que os mais carentes consigam “desmamar” do Bolsa Família e manter-se em pé por suas próprias pernas. A criação de empregos, que vem desacelerando de forma consistente mês após mês, também não voltará a crescer, se os investimentos não decolarem. Ao contrário. Mantido o quadro atual, a tendência é o desemprego aumentar.
A política de estímulo ao consumo e ao crédito para pessoas físicas se esgotou – algo que Dilma e o PT nunca admitiram publicamente. O estímulo ao consumo já não tem força para ser a locomotiva da economia, como no final do governo Lula, quando serviu como uma ferramenta anticíclica no auge da crise global. A partir de agora, a retomada do crescimento dependerá, principalmente, dos investimentos na produção. Eles levarão a um aumento da oferta e da renda, e permitirão ao país aumentar o consumo naturalmente, sem gerar pressões inflacionárias. Para que tudo isso aconteça, porém, como já comentei acima, será preciso recuperar a confiança e a credibilidade do governo e da política econômica junto aos empresários e investidores.
Dilma terá também de administrar com mais rigor e transparência as contas públicas, para mostrar que quer mesmo dar um um ippon na inflação. Nos últimos anos, o governo gastou quanto quis, como quis, e economizou muito menos do que seria recomendável para cobrir o pagamento dos juros da dívida pública – o tal do superávit primário de que falam os economistas. Em vez de reconhecer suas transgressões fiscais, que alavancaram a dívida bruta do governo federal e incensaram a inflação, Dilma e sua equipe econômica, capitaneada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, cuja saída do governo no segundo mandato já foi anunciada por ela durante a campanha, preferiam sempre descaracterizar os critérios adotados internacionalmente para medir o endividamento público. Foi o que eles fizeram também com outros indicadores negativos, como o grau de liberdade econômica, em que o B Brasil despencou no seu governo.
Se quiser realmente colocar o país de volta nos trilhos do crescimento, Dilma terá de reconhecer os “esqueletos” fiscais que seu governo produziu. Terá de se comprometer a abandonar de uma vez por todas a “contabilidade criativa”, que se tornou lugar comum em sua gestão, para tentar mostrar aos analistas que os números oficiais não eram tão ruins quanto poderiam parecer – um esforço que, ao final, acabou se revelando inútil, porque ninguém engoliu as toscas manobras oficiais. Ela terá de acabar de uma vez por todas com a relação incestuosa entre o Tesouro e os bancos públicos, como o BNDES, a Caixa e o Banco do Brasil, que deixa os financistas, que acompanham as contas públicas com lupa, arrepiados.
Enquanto houver represamento artificial de preços públicos, como a gasolina, para manter a inflação sob controle, manipulação de dados e adiamento da divulgação de informações desfavoráveis, Dilma só vai agravar o problema da falta de credibilidade e de confiança do mercado. A ação do Banco Central para controlar a inflação e monitorar o câmbio não pode estar sujeita ao ativismo da “presidenta”, como ela gosta de ser chamada. O mercado financeiro não é para amadores. Se Dilma não deixar claro, por meio de suas ações, que não irá transigir com a inflação e não forçará a desvalorização cambial para sancionar as ineficiências do país, os operadores e analistas continuarão a torcer o nariz e a dizer por aí que seu governo não é sério. O Brasil hoje tem um déficit nas contas externas na casa dos US$ 80 bilhões e precisa encontrar uma fórmula para conseguir reduzi-lo sem fechar ainda mais a economia nacional, que já é uma das mais fechadas do mundo.
A adoção de medidas protecionistas, como a mudança sem aviso prévio do regime automotivo firmado com outros países, e a gestão ideológica da nossa política comercial certamente não contribuem em nada para aumentar a produtividade e a eficiência das empresas nacionais, nem para aumentar a credibilidade de Dilma. Nos anos 1980, a reserva de mercado criada pelo governo militar para estimular o desenvolvimento da indústria nacional de informática jogou o Brasil nas trevas por uma década e transformou o país no maior contrabandista de peças de computadores do mundo. Sem reduzir o “custo Brasil” e ampliar a abertura do mercado para expor o país à concorrência externa, é provável que as empresas nacionais se acomodem em sua “zona de conforto” e pouco façam para não perder espaço na briga pelo consumidor, que acaba sendo o maior prejudicado, pagando mais pelos bens que consome.
Dilma terá, ainda, que superar muitos outros desafios para tirar o Brasil do limbo em que se encontra, como a retomada do programa do etanol, sucateado no primeiro governo, e o desaparelhamento das estatais e das agências reguladoras. Embora reeleita, Dilma deixa um passivo considerável e preocupante em vários campos. Para superar os obstáculos, terá de provar, antes de tudo, que, com ela mais uma vez à frente do governo, irá oferecer um cardápio diferente na economia para o Brasil crescer de forma sustentável. Se insistir na receita fracassada do primeiro mandato, como muita gente boa acredita que vai acontecer, todos os brasileiros – e não apenas seus eleitores – serão penalizados, colocando em xeque não apenas as conquistas sociais dos governos do PSDB e do PT, mas até mesmo a estabilidade tão duramente conquistada pelo país.
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