Poucos intelectuais brasileiros são tão credenciados a falar sobre Lula e o PT quanto o cientista político Francisco Weffort. Fundador e secretário-geral do partido de 1984 a 1988, WefFort conheceu de perto as entranhas da máquina petista, a personalidade de seus líderes e seus projetos políticos. Em 1995, ele se desligou do PT e aceitou o convite do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, seu amigo e ex-professor, para ser ministro da Cultura. Não se filiou ao PSDB ou a qualquer outro partido desde então. Preferiu preservar sua independência. Autor de uma tese clássica sobre o populismo no Brasil, publicada em 1978, e ainda hoje uma referência na área, Weffort, aos 75 anos, voltou à vida acadêmica, como professor colaborador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e continua a produzir livros em profusão. Em sua obra mais recente – Espada, cobiça e fé (Editora Civilização Brasileira) -, lançada em 2012, ele mergulha nas raízes históricas da violência no Brasil e analisa seus traços na sociedade atual. Na semana passada, Weffort recebeu ÉPOCA em seu apartamento na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, onde mora com a mulher, Helena Severo, ex-secretária de Cultura do Estado. “Não tenho nenhuma indicação de que o Lula teve alguma participação no mensalão”, diz. “Agora, tenho suspeitas, porque não é possível que um líder forte como o Lula não soubesse de tudo aquilo.”
ÉPOCA- O senhor foi um dos fundadores do PT, em 1980. Qual sua vi?são sobre o envolvimento do PT no mensalão e a condenação de lide?ranças importantes do partido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)? Francisco Weffort- O mensalão foi uma traição à democracia. Baseava-se na lógica antidemocrática de que os fins justificam os meios. Isso aparecia com frequência no discurso stalinista. Havia a ideia de que você pode matar 50 mil pessoas para chegar ao comunismo. Só que, no final, você não chega ao céu, mas ao inferno. Na verdade, os meios é que antecipam os fins. Se você pratica meios criminosos, seus fins também serão criminosos. O mensalão também partia do princípio de que “todos fazem”. Numa célebre entrevista que deu na França, Lula afirmou: “Meu pessoal acabou fazendo o que todo mundo faz no Brasil”. Não é porque todo mundo faz que eles tinham de fazer. Depois, isso desembocou na tese da farsa do mensalão. O ex-ministro da Justiça (Márcio Thomaz Bastos) chegou ao absurdo de dizer que o caixa dois era habitual no país. Agora, um aspecto muito positivo foi a atuação do Supremo. Se levarmos em conta que quase todos os ministros haviam sido indicados pelo Lula, foi algo surpreendente. Foi uma coisa muito boa, porque eles estabeleceram critérios jurídicos para a significação transcendental da democracia. Isso mostrou que o Brasil é mais complicado do que se imagina, para o bem e para o mal. Neste caso, surpreendentemente, foi para o bem.
ÉPOCA – O senhor, que conhece bem Lula e o PT, acredita que seria possível haver o mensalão sem a participação direta dele?
Weffort- Não tenho nenhuma indicação de que ele teve alguma participação no mensalão. Nenhuma. Agora, tenho suspeitas, porque não é possível que um líder forte como o Lula, por mais que ele aparente ser tão ignorante, e de fato seja, não soubesse de tudo aquilo. A suspeita sobre Lula vai acompanhá-lo por toda a vida. Lula foi beneficiado por seu prestígio eleitoral. Não podemos esquecer que, no ano do mensalão, em 2005, ele era um alvo. Depois, deixou de ser, por uma vacilação da oposição. Por que não insistiram nas investigações contra ele? Isso tem raiz na convicção errada de que a situação poderia degringolar, como talvez o próprio Lula achasse, ou na idéia de que não dava para brigar com Lula, porque ele tinha um estoque eleitoral grande e ninguém ousava afrontá-lo. Houve um momento em que se podia falar mal de qualquer um no país, menos do Lula. Então, por uma razão ou por outra, ele ficou um pouco à margem desse processo.
“Tenho medo
de que, diante
da fraqueza
da esquerda
para oferecer
soluções ao país,
voltemos a um
regime de força”
ÉPOCA – Como o senhor vê a resistência do PT em assimilar a condenação de alguns de seus líderes no mensalão? Weffort – Em nome da democracia, a atitude correta seria dizer publicamente que eles devem ser condenados mesmo e pagar pelo que fizeram. O PT não faz isso. Passa a mão na cabeça deles, mas não os defende. O que me espanta é como um sujeito como Delúbio (Soares, ex- tesoureiro do PT), que será preso mesmo, aguenta tudo o que já aguentou sem dizer uma palavra para ninguém. De onde esse fulano tira essa fé? No caso do Zé Dirceu, ele construiu de si próprio a imagem de um garoto que nunca envelhece. É um líder estudantil de 60 e tantos anos de idade. Não tem cantor de rock com mais de 60 anos? Então, não é de espantar que um líder revolucionário como o Zé Dirceu, que nunca fez revolução nenhuma, tenha dificuldade de engolir isso. Porém é preciso admitir que ele é o que aceita de forma mais clara o fato, não o direito, de que será condenado, de que será preso.
Esta entrevista, publicada pela Época, não foi reproduzida no site da revista
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ÉPOCA – O PT tem sido acusado pela oposição de ser um partido com sede de poder, apegado aos cargos, e de ter promovido o aparelhamento do Estado. Como o senhor analisa isso?
Weffort – Todos os partidos são assim. Nossa democracia, que tem aspectos muito interessantes de desenvolvimento social, apesar dos problemas, segue o padrão americano. Quem ganha leva tudo. Isso, com o PT, ficou mais claro do que com qualquer outro partido. Mas já era assim. As alianças partidárias nunca foram discutidas em torno de programas. O principal sempre foram os cargos. A “base aliada” não faz outra coisa senão discutir emprego. Não emprego para o povo, mas para eles. O PT só radicalizou o que já era a tradição da política cliente- lista brasileira. O PT não inventou o clientelismo no Brasil. Eles diziam é que não fariam isso. A questão da transparência também era muito importante para o PT. O PT se inspirava em certos conceitos de democracia radical, controle da base. Isso acabou. De adversário do clientelismo, o PT se tornou um radical clientelista.
ÉPOCA- O PT fez oposição sistemática antes de assumir o governo, em 2003. Mas não lida bem com criticas. O que acontece?
Weffort- Isso é resultado do uso do cachimbo por muito tempo. O cachimbo deixou a boca torta demais. Essa intolerância é uma coisa peculiar do PT, que vem da herança stalinista, marxista, leninista, que embute na cabeça do sujeito a idéia de que ele sabe tudo. A isso se deve somar a capacidade que tem a “marquetagem” de construir um discurso comum dos políticos, de manipular a opinião pública. Antes, os políticos faziam isso pelo contato pessoal. Eles se reuniam, conversavam e acertavam os ponteiros. Hoje, nos partidos que têm um mínimo de articulação, quem articula o discurso é o marqueteiro. Ele inventa certas fórmulas e vai tocando. Isso dá uma idéia que não sei se é real.
ÉPOCA – Como o senhor avalia o quadro político hoje, a antecipação da campanha eleitoral de 2014?
Weffort – Se a campanha eleitoral começou, começou bem antes do que deveria. Isso não é normal. Na verdade, foi um acerto do Lula com a Dilma. A meu ver, o que se fez foi lançar a candidatura da Dilma à reeleição porque Lula estava querendo ocupar espaço. Agora, há uma novidade na área do PT, do Lula: o Eduardo Campos (governador de Pernambuco), do PSB (Partido Socialista Brasileiro), está se lançando na disputa. Eduardo teve uma bela vitória em seu Estado, e o PSB cresceu em todo o país. Aécio é um líder importante, bem diferente de Serra, muito diferente de Dilma, que governou com êxito um dos Estados mais importantes do Brasil, mas deveria estar marchando com mais firmeza, como disse o Fernando Henrique. A vontade de poder do grupo do PT, seja Lula, Dilma ou Eduardo, é muito maior que a vontade de poder do PSDB, apesar do esforço do Fernando Henrique. O PSDB é um agrupamento disperso, com muito mais cacique do que índio para se unir em torno de uma candidatura. E Eduardo deveria perceber que o cenário na área dele exige mais cuidado. É só ver o que já ocorre no PSB no Ceará, com as declarações de Ciro Gomes (ex-ministro e ex-governador do Ceará) e de Cid Gomes (atual governador do Estado, irmão de Ciro) contra sua candidatura. Essa política de lideranças no Brasil é complicada.
ÉPOCA – Em 2013, a Constituição de 1988 completará 25 anos. Como o senhor analisa a evolução da democracia brasileira nesse período?
Weffort – A democracia brasileira tem crescido de forma extraordinária desde os anos 1980. Houve um progresso muito importante, com a participação do povo nas eleições. Por outro lado, custo a acreditar que seja uma democracia consolidada. Porque, no próprio crescimento de massa da democracia, surgem os venenos do autoritarismo. Hitler foi muito bem votado. Mussolini também. Na democracia majoritária, a democracia que temos, há, como disse, esta regra: quem vence leva tudo. Há chance de ocorrerem essas coisas. Se você consegue emprego para uma grande massa ou o Bolsa-Família, vira deus. Isso é o gérmen do autoritarismo, dentro da democracia. Sou otimista em relação ao desenvolvimento da democracia brasileira, mas os democratas precisam se mexer. A democracia não cresce espontaneamente.
Uma velha frase, que os jornais liberais repetiam no Brasil, era que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Só que a eterna vigilância não é só ficar denunciando os outros. É construir instituições para ampliar e preservar a democracia.
ÉPOCA- Por que, no Brasil, não surgiu um partido forte de centro-direita ou de direita liberal após a redemocratização? Weffort – Na história das democracias e das ditaduras, há um momento fatal em que os conservadores desistem de participar. Eles se habituam a resolver os problemas pelas mãos dos outros, a tirar a castanha com a mão do gato. Só que chega uma hora em que o gato come a castanha e o conservador. E eles somem. No Brasil pré-64, havia um pensamento conservador atuante. No governo militar, também. Mas não havia democracia. Com a redemocratização, todos os conservadores quiseram dar a impressão de que são de esquerda. O conservadorismo na política, algo muito importante, desapareceu. Talvez num jornal ou outro, em algum jornalista, ele ainda sobreviva. Mas, entre os partidos, não. Está cheio de gente defendendo bandeira de esquerda.
ÉPOCA- Há espaço para um partido conservador hoje no Brasil? Weffort- O Brasil precisa ter um partido conservador respeitável, como o PSD (Partido Social Democrata) da época de Ge- túlio, ou a UDN (União Democrática Nacional). Tenho medo de que esse partido não surja e de que, diante da fraqueza da esquerda para oferecer soluções ao país, voltemos a um regime de força, autoritário. Meu medo maior é do autoritarismo. Não sei de onde pode vir, mas ele não está excluído do cenário, embora a democracia no país esteja se ampliando.
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