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“A Rússia precisa mudar de rumo” Para o bilionário russo Mikhail Prokhorov, candidato independente na eleição presidencial de março, o país chegou a uma encruzilhada e terá de passar por uma ampla reforma política e econômica para voltar a prosperar

O bilionário Mikhail Prokhorov, de 46 anos, candidato independente (sem partido) na eleição presidencial de 4 de março na Rússia, é a grande novidade do pleito. Dono de uma fortuna de US$ 18 bilhões, e a 32ª pessoa mais rica do mundo de acordo com a revista Forbes, Prokhorov (lê-se Prórrorov) decidiu afastar-se do comando dos negócios para se dedicar à política. Em 2008, pouco antes da crise global, vendeu por US$ 7 bilhões o controle da Norilsk Nickel, maior produtora mundial de níquel, e ainda levou uma fatia de 14% da Rusal, principal fabricante mundial de alumínio. Prokhorov também mantém participação minoritária em outras empresas, sem se envolver na gestão. “Senti que havia alcançado o que desejava no mundo dos negócios e queria contribuir para o meu país”, disse em entrevista a ÉPOCA.

Por ter entrado na política pelas mãos dos dois principais líderes da Rússia – o atual primeiro-ministro, Vladimir Putin, líder nas pesquisas eleitorais com 55% das intenções de voto, e o atual presidente, Dmitri Medvedev, seu fiel companheiro –, muitos analistas e eleitores o veem como um candidato patrocinado pelo Kremlin. Segundo Prokhorov, um playboy conhecido por promover festas extravagantes recheadas de belas mulheres, seu rompimento com o governo, em setembro do ano passado, foi para valer. Ele afirma ser um candidato de ideias próprias. “Faz muitos meses que não mantenho contato com Putin ou Medvedev”, disse.

Com uma plataforma liberal, centrada na volta das eleições diretas para governador, no ataque à corrupção e na defesa da privatização, Prokhorov aparece em quarto lugar nas pesquisas, com 6% dos votos. Está pouco abaixo do comunista Gennady Zyuganov, com 9%, e do candidato nacionalista, Vladimir Zhirinovsky, com 8%. Prokhorov aposta, porém, que, se houver segundo turno, será ele o adversário de Vladimir Putin. Em Moscou e São Petersburgo, as duas maiores cidades russas, Prokhorov conquistou boa parte da classe média e está em segundo lugar nas prévias, com 12% dos votos, atrás apenas de Putin. “Minha meta é chegar ao segundo turno. Se isso ocorrer, as coisas serão diferentes.”

ÉPOCA – Até pouco tempo atrás, o senhor demonstrava pouco interesse pela política. O que o levou a mudar de ideia?
Mikhail Prokhorov – Foi uma combinação de coisas. Senti que havia alcançado o que desejava no mundo dos negócios e queria contribuir para o meu país. Ao mesmo tempo, acreditava que a Rússia havia chegado a uma encruzilhada e precisava mudar de rumo. Não é por acaso que, hoje, há tanta discussão da população sobre o futuro do país. Muitas pessoas estão descontentes. Então, achei que era o momento perfeito para entrar na política e tentar construir a Rússia na qual gostaria de viver.

ÉPOCA – Até setembro de 2011, o senhor estava à frente do Causa Justa, um partido patrocinado pelo Kremlin que apoia o governo. De repente, decidiu ir para a oposição e disputar a Presidência contra Putin. O que aconteceu?
Prokhorov – Não mudei nesse período. Continuo a ser a mesma pessoa e a ter as mesmas convicções sobre como a Rússia deve se desenvolver. É claro que aprendi algumas lições. Eu me dei conta de que, quando criar um novo partido no futuro, será melhor fazê-lo do nada, em vez de fazê-lo a partir de uma estrutura já existente, como o Causa Justa. Mas a premissa básica permanece a mesma: precisamos fazer mudanças estruturais se quisermos que a Rússia se torne um país competitivo e próspero.

época– O senhor é um dos homens mais ricos da Rússia, conhecido
como um playboy que promove festas excêntricas. De que
forma isso pode afetar sua candidatura?
Prokhorov – Minha vida é um livro aberto. Acredito que
haja um contingente de eleitores que veem isso como algo
animador e respeitam o fato de que sou de carne e osso, e
não uma figura produzida nos laboratórios dos marqueteiros.
Sou fiel a mim mesmo e espero que a maioria das
pessoas entenda isso.

época– As pesquisas mais recentes o colocamcom6%dos votos
nacionalmente. O senhor acredita que ainda assim vale a pena
participar das eleições? Por quê?
Prokhorov – Com certeza. Minha meta é chegar ao segundo
turno. Se isso ocorrer, as coisas serão diferentes. Mas a história
não termina com essas eleições. Entrei nisso com um
objetivo de longo prazo.Meu plano é construir um novo partido
político com pessoas de alto nível e com novas ideias.

época– Qual sua relação atual comPutin?Osenhor ainda mantém
contato comele? E comopresidenteMedvedev, qual é sua relação
e o que o senhor pensa a respeito dele?
Prokhorov – Faz muitos meses que não mantenho contato
com Putin ou Medvedev. Quando era empresário, os via
ocasionalmente em encontros comaelite empresarial ou em
seminários e debates relacionados ao mundo dos negócios.
Votei no Medvedev na última eleição presidencial e acredito
que ele é um sujeito inteligente. Fazemos parte da mesma
geração. Mas é hora de ir além e de promover as mudanças
dramáticas de que o país precisa.

época–Oque o senhor pensa dos protestos que se seguiramà eleiçãopara
aDuma(CâmaradosDeputados russa)em4de dezembro?
Prokhorov –Eu me sinto orgulhoso pela forma como muitos
de meus compatriotas decidiram assumir uma posição e
mostrar suas ideias. isso seria inimaginável apenas um ano
atrás. E podemos ver que o governo já começou a prestar
atenção nisso. Já se ouve falar de conversas sobre a volta das
eleições diretas para governador e na reforma do sistema
partidário. Vamos ver até onde isso realmente vai. Recentemente,
houve alguns ataques a grandes grupos de mídia,
um sinal de que eles estão sendo pressionados a mudar a
cobertura do governo e das eleições. isso é inaceitável.

época–Quandoos protestos começaram, Putin disse que eramorquestrados
pelos Estados Unidos.Oque o senhor acha disso? Qual
é sua visão sobre o distanciamento da Rússiaemrelação aosEUAe
à Comunidade Europeia nos governos de Putin e Medvedev?
Prokhorov– A Rússia é um grande país. Qualquer insinuação
de que outra nação esteja controlando nosso povo quando ele
está apenas fazendo valer suas ideias é equivocada. Quanto
à relação com o ocidente, acredito que a Rússia é parte da
Europa. Ponto. temos de deixar isso claro e assumir o lugar
que nos cabe na mesa, com a Alemanha e a França. Uma
aliança econômica entre a Rússia e a Zona do Euro criaria
um equilíbrio perfeito aos EUA, no ocidente, e à China, no
oriente. isso também nos beneficiaria muito politicamente e
permitiria a construção de um clima produtivo de confiança
e parceria.

época– Apesar do crescimento da oposição, muita gente na Rússia
não acreditaemmudanças, por causa do sistema criado por Putin
para manter seu partido no governo.Oque o senhor pensa disso?
Prokhorov – Sem dúvida, precisamos fortalecer as instituições
independentes na Rússia – e não apenas o Judiciário.
Precisamos de um Parlamento de verdade, de liberdade de
imprensa, de uma sociedade civil participativa. É importante
acreditar que isso é possível e que a mudança está acontecendo.
É compreensível que muita gente esteja cética, mas
não podemos deixar o pessimismo nos paralisar e impedir
a promoção de mudanças.

“Acredito que a Rússia é parte da Europa. Temos de deixar isso claro e assumir o lugar que nos cabe, com a França e a Alemanha”

época – Qual é sua opinião sobre o caso do empresário Mikhail
Khodorkovsky e sobre o duro tratamento que ele está recebendo
na prisão? Como o senhor lidaria com esse e com outros casos
semelhantes?
Prokhorov– Não vejo razão para Mikhail Khodorkovsky permanecer
na prisão.No mínimo, ele já cumpriu sua pena e já
poderia ser solto por bomcomportamento. Como presidente,
meu primeiro passo será perdoá-lo e procurar libertá-lo.
época– No exterior, inclusive no Brasil, a Rússia é vista como um
país onde o nível de corrupção é alto, o império da lei é baixo, e a liberdadedeimprensalimitada.

Época – O que o senhor faria para mudar isso?
Prokhorov – Precisamos promover reformas estruturais
para diminuir a burocracia que favorece a corrupção. E
precisamos dar o exemplo. Quando me tornei presidente
da Norilsk Nickel, a corrupção era enorme. Mas, com uma
equipe de gestores que não recebia propinas, conseguimos
atacá-la rapidamente. Quem não se ajustou deixou a empresa.
Precisamos também implementar reformas políticas,
restabelecendo as eleições diretas para governador (suspensas
em 2004), fortalecendo o poder regional e reduzindo as
barreiras para o registro de partidos políticos. Além disso,
temos de controlar os juízes por meio de medidas já previstas
em lei, mas não implementadas. E, para ampliar a
liberdade de imprensa, o governo deve deixar de controlar
grupos de mídia, incluindo os principais canais de televisão.

época– Durante os governos de Putin eMedvedev, a intervenção
do Estado na economia aumentou muito, assim comoa dependência
da Rússia do petróleo e do gás. Como o senhor analisa isso?
Prokhorov –Discordo dessa política. A essência do meu programa
econômico é encorajar a competição.Acredito que os
ativos do Estado devam ser privatizados e que as empresas
estrangeiras devamter os mesmos direitos de investir nos ativos
russos que as empresas locais. É a única forma de tornar
o país mais eficiente e moderno. todos sabemos que a dependência
de recursos naturais é um problema. infelizmente,
não há muita gente fazendo alguma coisa para mudar isso.
Para mim, será uma prioridade. Como empresário, investi
no desenvolvimento de um carro híbrido, o Yo-mobile, e na
optogan, que produz lâmpadas de lED. Um dos capítulos
do meu programa econômico prevê isenção fiscal de cinco
anos para investimentos em novas tecnologias.

época– Hoje, 20 anos depois da queda da União Soviética, muitos
russos ainda preferem trabalhar numa empresa estatal, como a
Gazprom, a montar seu próprio negócio. O que o senhor propõe
para estimular o empreendedorismo no país?
Prokhorov – A primeira coisa a fazer é tirar o governo do caminho.
Para um pequeno ou médio empresário, a burocracia
atual é sufocante. Como o número de burocratas é muito
maior do que deveria ser, há muito espaço para corrupção
e exigências redundantes, que afetam o desejo de abrir um
negócio.Além disso, precisamos simplificar o processo de autorização
para as empresas nascentes e reestruturar o sistema
tributário, dando isenção fiscal para as pequenas e médias
empresas. Depois, precisamos deixar as pessoas fazer o que
elas sabem: trabalhar duro para alcançar seus objetivos.

* Entrevista publicada na revista Época de 27/02/2012