O governo, os líderes do PT e a brigada petista na mídia e nas redes sociais podem falar o que quiserem contra o panelaço promovido ontem nas principais cidades brasileiras. Podem se mostrar indignados, como o blogueiro Leonardo Sakamoto, por alguém ter chamado a presidente Dilma Rousseff de “vaca”, ou dizer que foi uma manifestação da “elite branca de barriga cheia”, como o jornalista Juca Kfouri. Podem afirmar também que foi “uma orquestração com viés golpista da burguesia e da classe média alta”, como a nota oficial do PT, ou que o ato é parte de uma articulação da oposição para promover um “terceiro turno”, como o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
Nada do que eles disserem, porém, vai mudar o essencial. Foi um protesto espetacular, que surpreendeu o Palácio do Planalto e as lideranças petistas. O panelaço, do qual milhares de brasileiros participaram e milhões de outros acompanharam com os próprios olhos e ouvidos, transformou-se, desde já, num marco na história recente do país. Sinceramente, não me lembro de nada parecido, nem na campanha das Diretas Já, nos anos 1980, nem no Collorgate, nos anos 1990. De forma espontânea, milhares e milhares de cidadãos bateram panelas, buzinaram, acenderam e apagaram luzes, gritaram “Fora Dilma”, no exato momento em que a presidente realizava um pronunciamento oficial em rede de TV, com a desculpa de que iria anunciar medidas de proteção às mulheres, no Dia Internacional da Mulher.
Confira o texto publicado originalmente no site da revista Época
Em vez de ficarem na defensiva e tentarem ridicularizar e minimizar o panelaço, o governo e as milícias petistas fariam melhor se atribuíssem ao ato a importância que ele merece. Pela primeira vez desde que o PT assumiu o poder, em 2003, a oposição está saindo da toca. O PT perdeu o monopólio das ruas. O centro e a direita estão unidos contra o PT e a bandalheira generalizada instaurada no governo, da qual o Petrolão é a maior expressão. Uma parcela significativa da população, principalmente nos grandes centros urbanos, parece farta das mentiras e dos discursos oficiais, que guardam pouco ou nenhuma relação com a realidade.
Queiram ou não o PT e seus simpatizantes, o clima está pesadíssimo para Dilma, Lula e para o partido. Apenas dois meses depois do início do segundo mandato de Dilma, o ambiente é de “fim de festa”. No Congresso, a hostilidade de deputados e senadores promete erguer muralhas intransponíveis para Dilma. Na Justiça, o governo enfrenta o Petrolão, de consequências imprevisíveis para o PT, Lula e a própria Dilma, poupada do caso até o momento pela Procuradoria Geral da República.
No mundo real, é difícil imaginar que a insatisfação demonstrada pelo panelaço possa diminuir daqui para frente. Ao contrário. Ao que tudo indica, o descontentamento só deverá aumentar, com mais um ano de recessão, com o aumento do desemprego e com a alta da inflação, dos juros e do dólar. Domingo que vem, dia 15, espera-se que milhares de pessoas compareçam às manifestações contra a corrupção e em defesa do impeachment em todo o país. Provavelmente, muitas outras manifestações semelhantes se seguirão nos próximos meses.
Até na caserna, há inquietação com o rumo dos acontecimentos. A ameaça de Lula de ir à “guerra” e de colocar o “exército do Stédile”, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), para defender o governo em caso de um eventual pedido de impeachment de Dilma, caiu como uma bomba nos quartéis. Num duro artigo publicado no sábado pelo Estadão, o general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado Maior da Defesa, não deixa margem a dúvidas em relação ao clima existente nas Forças Armadas. “Em todos os governos da Nova República, as Forças Armadas, particularmente o Exército, foram empregadas em missões de garantia da lei e da ordem”, afirmou. “Riscos ao nosso sistema democrático vigente, mesmo os de caráter sub-reptício, vindos de partidos políticos ou de quaisquer outras organizações, serão combatidos. Com base em nossa experiência e sem sermos presunçosos, reafirmamos que nossas Forças Armadas estarão à frente daqueles que enfrentarem as ameaças sem pronunciar bravatas, como esse abominável ‘vamos à guerra!’.”
Dias antes, o Clube Militar, uma associação composta por oficiais da reserva, já havia divulgado uma nota pesada contra a convocação do “exército do Stédile” por Lula, feita durante um “ato de apoio” à Petrobras, organizado por sindicalistas e pelo PT, no Rio de Janeiro. No texto, Lula foi chamado de “agitador” e acusado de pregar “a cizânea da nação”. “Neste país, sempre houve e sempre haverá somente um exército, o Exército Brasileiro, o Exército de Caxias, que sempre nos defendeu em todas as situações de perigo, externas ou internas”, diz a nota, em resposta à declaração de Lula.
Diante da deterioração do cenário político e econômico do país e da insistência do governo, dos líderes petistas e de seus porta-vozes em negar o óbvio ululante, como diria o jornalista e escritor Nelson Rodrigues, é difícil enxergar uma luz no fim do túnel. Para o PT, reconhecer os seus erros e a “herança maldita” de Dilma parece improvável, mesmo quando nuvens carregadas anunciam uma tempestade. O pior é que, depois, como está acontecendo agora, com o ajuste fiscal prometido por Dilma — resultado de sua gestão pífia na economia –, a fatura terá de ser paga por todos nós. Como diz o velho dito popular, “o pior cego é aquele que não quer ver”.
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