A pouco mais de um ano para as eleições presidenciais, o desempenho pífio da economia transformou a presidente Dilma Rousseff e seu governo em vidraça. Mais que em qualquer outro momento desde que assumiu o posto, em 2011, sua imagem de gerentona, cultivada por ela mesma desde o governo Lula e vendida na campanha eleitoral pelos marqueteiros do PT, está em xeque.
Em 2010, ao assumir a presidência, Dilma e o PT pareciam acreditar que daria para surfar na mesma onda que fez bombar a economia nos últimos anos do governo Lula. Acharam que ia ser uma barbada, que era só entrar em campo e correr para o abraço. Só que isso não aconteceu, como já haviam alertado alguns economistas independentes. A maré mudou, aqui e lá fora, e o clima de ufanismo que predominava no governo e no PT foi substituído por uma preocupação crescente com o impacto que a economia pode ter nas eleições de 2014.
Embora a popularidade de Dilma continue alta, segundo as pesquisas encomendadas pelo governo, a voz rouca das ruas parece transmitir um “sentimento mudancista”, como afirmou a ÉPOCA o ex-presidente Fernando Henrique. Depois de quase 13 anos no governo, o PT parece enfrentar o que o ex-deputado e vice-presidente da Caixa, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), chama de “fadiga de material”.
Em Brasília, Dilma e os ministros da área econômica ainda parecem meio desnorteados com os resultados negativos da política econômica. Lula e a cúpula do PT, também. É difícil para eles entender por que a economia não andou, depois de o governo adotar uma série de medidas que julgava necessárias para estimular a retomada do crescimento – da “desoneração” de produtos ao corte dos juros e das tarifas de energia elétrica. Mas, com o mínimo de desapego pela própria obra, é relativamente simples entender o que está acontecendo. As incertezas geradas pela proliferação de medidas e pela falta de rumo do governo, que administra a economia com o olho nas pesquisas eleitorais, minaram a confiança dos empresários para desenvolver os projetos de longo prazo de que o país precisa para superar seus gargalos.
Confrontados pela dura realidade dos números, Dilma e o PT estão tendo de aprender, do jeito mais difícil, que a intervenção estatal na economia e o planejamento produzido por meia dúzia de iluminados quase nunca produzem os resultados esperados pelos alquimistas do governo. Em economia, dois mais dois nem sempre é igual a quatro. Se o planejamento econômico funcionasse, talvez a União Soviética – que levou o sistema de planificação ao extremo – não tivesse se desintegrado e a população dos países da antiga Cortina de Ferro hoje estivesse celebrando nas ruas uma prosperidade coletiva sem precedentes na história.
Para tentar minorar os estragos causados até agora, Dilma está revendo, meio a contragosto, os pilares da política econômica adotada desde o segundo mandato de Lula. Um após o outro. Primeiro, caiu a máxima de que o crescimento da demanda levaria inexoravelmente os empresários a investir, para ampliar a oferta. Como isso não aconteceu, o governo mudou de ideia e passou a dizer agora que o mais importante são os investimentos das empresas.
Depois, foi a vez de Dilma abandonar sua crença de que o Estado tem a força, como um poderoso He-Man, e que tudo pode. Contra tudo o que o PT, Lula e a própria Dilma afirmaram nas últimas campanhas eleitorais, ela teve de admitir que a privatização (chamada pelo governo de concessão) é a melhor solução para acelerar a modernização da infra-estrutura do país, aí incluídos estradas, portos, ferrovias e aeroportos. Dilma, é bem verdade, ainda tentou limitar o lucro dos empresários, esse instrumento diabólico do capitalismo, segundo a visão petista. Mas, como não apareceram interessados em assumir esses serviços pela remuneração que o governo oferecia, Dilma teve de voltar atrás outra vez e aumentar a lucratividade dos negócios que devem ser privatizados.
Diante da escalada dos preços dos alimentos e dos serviços, Dilma também teve de rever sua crença de que um pouco de inflação para acelerar o crescimento era algo saudável. Na semana passada, autorizou o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a dizer que ele tinha “apoio integral” para aumentar a taxa básica de juros de 7,5% para 8% ao ano. Coisa inimaginável até pouco tempo atrás. Há pouco mais de um mês, durante viagem à África do Sul, Dilma havia reafirmado sua visão de que não fazia sentido combater a inflação, comprometendo o crescimento econômico, com a subida dos juros.
Até a idéia de que a valorização do dólar era conveniente, para tornar os produtos brasileiros mais competitivos na arena global, mesmo à custa do encarecimento dos importados, está desmoronando. Para tentar conter a alta da inflação, agora o que interessa é manter o dólar baixo. Há poucos dias, o governo zerou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) – criado para evitar um tsunami monetário que jamais ocorreu – sobre as aplicações de renda fixa feitas por estrangeiros. O objetivo é aumentar o fluxo de dólares para tentar manter as cotações da moeda americana sob controle.
Aos poucos, sem muito alarde, o governo vai retomando, de certa forma, a política econômica praticada com sucesso no primeiro mandato de Lula, deixando de lado as bruxarias produzidas nos laboratórios do Planalto nos últimos anos. Se Dilma tivesse seguido desde o começo esse receituário, ao qual foi subitamente convertida, talvez o Brasil não estivesse vivendo hoje um cenário de estagflação – aquela mistura indigesta de estagnação econômica e inflação que tanto prejudicou o país no passado relativamente recente. Agora, é difícil dizer se essas mudanças todas produzirão os efeitos desejados e se conseguirão reverter a perda de confiança dos empresários. Por ora, o certo é que, com as políticas equivocadas adotadas nos primeiros dois anos do governo Dilma, sob a desculpa de que eram políticas “anticíclicas” para combater o impacto da crise global no país, o Brasil perdeu um tempo precioso para se modernizar e ampliar as conquistas alcançadas desde a implantação do Plano Real, em 1994.
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