Se for perguntada a respeito do assunto, a presidente Dilma Rousseff provavelmente vai negar. Os ministros da área econômica e a diretoria do Banco Central, também. Mas os analistas mais atentos do mercado já detectaram que está em curso uma sutil transformação na gestão da economia do país, que poderá moldar uma nova face para o governo Dilma na segunda metade de seu mandato.
Essa transformação começou a se materializar silenciosamente no final do ano passado, depois da divulgação do pibinho do terceiro trimestre pelo IBGE. Depois, foi reforçada pela informação de que a taxa de investimento do país em 2012 caiu, em vez de subir, apesar de todas as medidas adotadas pelo governo para estimular os empresários a investir, como a desoneração da folha de pagamento, o corte nos juros e a redução das tarifas de energia.
Obviamente, isso não significa uma capitulação de Dilma em relação ao neoliberalismo, tão criticado pelo PT, que teria moldado o governo de Fernando Henrique e do PSDB e também – por que não dizer? – a gestão do petista Antonio Palocci no Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula. Nem que Dilma liberou, como diz o título deste post, numa versão livre. Mesmo assim, não se trata de uma mudança desprezível.
Nesta nova fase, estão perdendo força o ativismo, o intervencionismo, o protecionismo e as mudanças de contratos sem aviso prévio, que marcaram a primeira metade da atual gestão. Em lugar desse coquetel indigesto, que acabou por minar, em boa medida, a credibilidade do governo junto a empresários e investidores, o governo está adotando uma postura mais pragmática e mais “racional”, segundo alguns economistas. Nas palavras de Christopher Garman, diretor da área de estratégia para mercados emergentes do Eurasia Group, uma consultoria americana especializada na análise de riscos políticos, “a realidade está se impondo à ideologia”.
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Entre as principais mudanças promovidas pelo governo nos últimos meses, destacam-se:
* O combate à inflação, antes deixado em segundo plano, agora é prioridade absoluta, ainda que, para isso, seja necessário o Banco Central elevar os juros, para evitar que ela supere o teto da meta, de 6,5%, em 2013;
* A correlação de forças na área econômica do governo mudou. Com a prioridade dada ao controle da inflação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, um dos principais adversários da alta dos juros, perdeu influência, enquanto o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, mais preocupado em conter as pressões inflacionárias, se fortaleceu;
* O câmbio, que vinha sendo usado descaradamente como ferramenta de política industrial, para encarecer os produtos importados e favorecer as empresas nacionais, agora deverá parar de subir. Com maior concorrência dos importados, o espaço para os fabricantes locais promoverem novos aumentos nos preços deverá diminuir;
* Em vez dos pesados investimentos estatais previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado por Dilma ainda na gestão de Lula na presidência, o governo agora está valorizando mais o papel do setor privado para a solução dos gargalos logísticos do país;
* Antes o governo queria promover um “capitalismo sem lucro”, limitando a lucratividade das empresas na privatização de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Agora o governo quer ver as obras decolarem, mesmo que, para isso, tenha de aceitar uma margem de lucro maior;
* Depois de comprometer a capacidade de investimento da Petrobras no pré-sal, graças à política irrealista de preços imposta à empresa, para estimular o consumo e conter artificialmente a inflação, o governo acabou autorizando um reajuste, ainda que limitado, nas bombas;
* Finalmente, depois de cinco anos de inércia, o governo anunciou a retomada dos leilões para exploração de petróleo e gás, com o objetivo de alavancar os investimentos no país.
Se essas mudanças são resultado da crença de que a correção de rumo era necessária, para recolocar o país na trilha do crescimento sustentável, ou se elas refletem apenas uma preocupação eleitoral, é difícil dizer. Também é complicado prever se essa maquiagem na política econômica será suficiente (ou não) para o setor privado retomar a confiança nos rumos da economia e aumentar os investimentos na produção. Por enquanto, o que se pode dizer é que, pelo menos, a derrapada da economia em 2011 e 2012 teve um efeito positivo: deu um choque de realidade e mostrou à turma de Brasília que, no mundo real, nem tudo acontece como eles desenham nas pranchetas.
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