Em tempos de rolezinhos, black blocs e quetais, é estranho, muito estranho, que a polícia esteja sempre na berlinda. Em vez de a mídia focar a cobertura nos malfeitores e em suas ações, tornou-se algo corriqueiro condenar a atuação da polícia, que age para proteger a população e o patrimônio público e privado.
Quem me conhece sabe que estou longe de ser um defensor da truculência policial. Se alguém procurar, não vai achar nada em minha biografia ou nos artigos e reportagens que escrevi em trinta anos de trabalho como jornalista em que eu faça a apologia do Estado policial ou defenda a violência das forças de segurança. Ao contrário. Sempre apoiei – e continuo a apoiar – o respeito aos direitos humanos em qualquer circunstância, inclusive o dos bandidos e o dos presos, e o tratamento igualitário dos cidadãos pela polícia, independentemente de raça, cor e opção sexual de cada um.
Isso não significa que, para mim, a polícia seja um mal por definição, como acreditam muitos radicais e anarquistas da linha de Mikhail Bakunin, o fundador do “anarquismo social”, que estão à solta por aí. Eu acredito que a polícia e o aparato repressivo do Estado existem (e devem existir) para oferecer segurança, garantir os direitos dos cidadãos e proteger a propriedade pública e privada, de acordo com a Constituição e as leis ordinárias do país. Sempre que haja qualquer ameaça aos direitos de qualquer cidadão, ainda que seja o mero direito ao silêncio contra um pancadão na madrugada, o Estado e a polícia devem agir prontamente, com a força exigida em cada situação.
Ouso dizer, sob o risco de ser achincalhado pela turba ignara que prolifera nas redes sociais, que, em São Paulo e em outros estados do país, a polícia tem alcançado, de maneira geral, resultados razoáveis. Apesar da existência de problemas pontuais, parece inegável que, nos últimos anos, houve um tremendo progresso na repressão ao crime organizado, especialmente em São Paulo e no Rio. Houve também um grande progresso no respeito aos direitos humanos por parte da polícia desde a redemocratização do país, nos anos 1980.
É certo que, no Brasil, a polícia ainda está muito longe da perfeição. Está sujeita a erros individuais ou coletivos da mesma forma que qualquer cidadão ou categoria profissional, como mostra o caso do manifestante que levou um tiro da polícia ao participar de um protesto em São Paulo contra a realização da Copa do Mundo, no dia do aniversário da cidade. Embora pareça inverossímil que vários policiais estivessem perseguindo um manifestante que só havia gritado palavras de ordem contra a Copa, também é difícil explicar que, naquele contexto, eles tenham atirado a queima roupa, ainda que o sujeito estivesse com um estilete afiado na mão.
Muitos analistas de gabinete viram na reação dos policiais uma expressão do despreparo da polícia para lidar com grupos de baderneiros e grandes manifestações. Segundo esse pessoal, a polícia paulista estaria anos-luz atrás das polícias de países desenvolvidos. Esta visão, porém, não parece fundamentada na realidade. Mesmo na Europa e nos Estados Unidos, onde a polícia é tida como mais preparada, há casos escabrosos de erros policiais, iguais ou piores do que o cometido pela polícia de São Paulo no final de janeiro.
Na Inglaterra, por exemplo, o brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto em 2005 por um erro grosseiro da respeitadíssima Scotland Yard. Na Austrália, a polícia é acusada de ter provocado a morte do brasileiro Roberto Curti, de 21 anos, com choques elétricos, em 2012. Nos Estados Unidos, o afroamericano Rodney King, foi brutalmente espancado pela polícia em 1991, depois de uma perseguição por roubo. Na França, o General De Gaulle, então presidente do país, reagiu com mão pesada contra as manifestações estudantis que transformaram Paris numa praça de guerra, nos idos de 1968.
Erros policiais podem acontecer em qualquer lugar, mas não devem ofuscar os acertos, nem colocar em xeque a ação da polícia como um todo. A violência policial também pode ocorrer em qualquer país e quase sempre é mais que justificada, por mais que isso deixe estarrecidos os críticos da gauche tropical (ou esquerda caviar, como preferem alguns).
Por tudo isso, não parece fazer sentido que, no Brasil, a mídia dê eco aos que acusam a polícia de ser a sempre a grande vilã e trate os baderneiros como vítimas indefesas, romantizando suas ações. Não faz sentido também tratar as afirmações de um ativista aguerrido (para dizer o mínimo) como verdade absoluta, enquanto as explicações da polícia são questionadas de forma implacável. Seria mais ou menos como perguntar ao Fernandinho Beira- Mar, um dos maiores traficantes do país, preso desde 2002, o que ele acha de ficar na solitária, e depois publicar sua resposta em manchete, malhando os policiais que o prenderam por tê-lo algemado em público. O triste, hoje, é que há diversos veículos de comunicação com fama de sérios fazendo esse tipo de jornalismo descabido. No final, quem paga o pato é a polícia. Além de ter de lidar com os arruaceiros, ela ainda leva a fama de incompetente e despreparada.
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