Nos círculos literários internacionais, a jovem escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, de 32 anos, ganhou status de celebridade. No mês passado, ela foi incluída numa disputadíssima lista dos 20 melhores escritores com menos de 40 anos elaborada pela revista The New Yorker. Seu segundo romance – Meio sol amarelo, de 2006, o único lançado no Brasil – já foi traduzido para 27 línguas e vendeu mais de 500 mil exemplares. Foi graças a uma palestra que deu em 2009, na conferência anual da TED, uma ONG americana dedicada a difundir as ideias de pensadores e realizadores de todo o mundo, que Chimamanda virou hit do YouTube, o site de compartilhamento de vídeos da internet. O vídeo da palestra “O perigo de uma história de um lado só”, em que ela ironiza o estereótipo miserável da Áfricanos países desenvolvidos, já foi visto por mais de 300 mil pessoas. Nesta entrevista concedida a ÉPOCA por e-mail, Chimamanda diz que a África não é só pobreza e que a adoção de crianças pobres africanas por artistas como Madonna e Angelina Jolie não ajuda a salvar o continente.
ÉPOCA – Em suas palestras, a senhora ironiza o estereótipo da África nos países desenvolvidos. Por quê?
Chimamanda Ngozi Adichie – É uma visão baseada na catástrofe. A África é vista como um lugar cheio de coisas negativas. Exceto no caso das biografias de Mandela, que realmente não contam, porque são menos sobre a África e mais sobre o perdão mágico que ele concedeu às atrocidades dos brancos, não me lembro de ter visto uma única vez na mídia uma história sobre a África que não era sobre pobreza, aids, morte ou guerra. Há pobreza na África, mas existem pessoas que pensam que a pobreza é tudo o que a África tem.
ÉPOCA – Uma de suas maiores críticas é contra a expectativa de muitos leitores de encontrar histórias “autenticamente africanas” em seus romances. O que há de errado nisso?
Chimamanda – Quando falamos de autenticidade, estamos em geral levando em conta uma pureza que não existe. A história de uma criança pobre que está pegando em armas ou de um ditador corrupto é tão válida quanto a história de um camponês de uma pequena vila rural ou de uma família da classe média que trabalha duro para mandar suas crianças para uma boa escola ou de uma trabalhadora urbana que compra um carro ou a de um casal que está discutindo uma relação afetiva complicada. Quem pode dizer que uma dessas histórias é mais “autenticamente africana” que a outra? Com base em que podemos julgar a autenticidade dessas histórias? Quem fará o julgamento? E, mais que tudo, por quê?
“As pessoas devem ter permissão para adotar crianças de qualquer
lugar. Mas é ridículo pensar que vão salvar a África assim”
ÉPOCA – Em sua visão, não existe, então, falar de uma cultura tipicamente africana?
Chimamanda – A cultura humana é resultado de uma longa história de trocas. O café surgiu na Etiópia. Isso significa que uma história em que os americanos bebem café não é autêntica porque o café não é originalmente americano? As pessoas que falam em histórias “autenticamente africanas” – e acho estranho que eu nunca tenha escutado ninguém falar de histórias autenticamente americanas ou inglesas – parecem pensar que a África é um lugar que deveria permanecer como um museu para o entretenimento dos outros. Em geral, elas sabem muito pouco sobre a África e, por isso, insistem em fazer uma representação única de suas estreitas visões. É por isso que uma história sobre uma família de classe média ou de ricos africanos é vista como não autêntica. Não existe essa coisa de autenticidade. Isso sempre tem a ver com a mentalidade da pessoa que está dando o rótulo.
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